A infância anda cada vez mais abreviada. Movidos pela crença de que o melhor que podem dar aos filhos é um futuro de sucesso, muitos pais acabam errando na dose, em relação aos compromissos que assumem em nome dos pequenos.
Escolas “fortes” que oferecem conteúdos excessivamente “puxados”; cursos de língua para crianças com menos de 7 anos; atividades esportivas muito competitivas e pouco lúdicas; vida social intensa, inclusive nos dias de semana; nenhum tempo para simplesmente brincar, criar, inventar; uso de Internet sem acompanhamento e supervisão de um adulto; horas de envolvimento em joguinhos eletrônicos; outras tantas de exposição a todo tipo de lixo midiático na TV ou no computador.
Esse encurtamento da etapa de vida que deveria representar o tempo de formar alicerces psicológicos, orgânicos e cognitivos para poder dar conta do processo de desenvolvimento, pode gerar nas crianças comportamentos de ansiedade, hiperatividade, irritação e depressão.
Criança pensa como criança e sente como gente grande. Em suas vivências relacionais ocorrem os mais diversos contatos com o universo das emoções. O fato é que os pequenos têm antenas apuradíssimas para captar as modulações afetivas ao seu redor; captam, mas não conseguem decifrar, compreender significar.
É por isso que as crianças são tão interessadas e interessantes. Diferentes de nós, os adultos, elas expressam suas ideias, opiniões e sentimentos sem a utilização de filtros requintados de adequação. São mais espontâneas, receptivas e, por isso mesmo mais indefesas. Criança precisa da assistência amorosa de um adulto para poder transitar pelas experiências de ganho, perda e amadurecimento.
Por trás dos olhos dos meninos e meninas, existem lentes de microscópios interessadas no mundo minúsculo das coisas, existem imagens telescópicas curiosas sobre os mistérios além das estrelas, existem interesses genuínos sobre todas as coisas. É da natureza infantil a inquietude, a curiosidade, a transformação, a experimentação. E negar-lhes tempo para exercer esse espírito científico nato, é tirar-lhes a oportunidade de encontrarem prazer na aprendizagem.
Ao mesmo tempo em que são atraídas para o novo, o diferente e o inusitado, as crianças carecem de subsídios para lidar com as alterações em suas rotinas. Tanto as mudanças felizes, como ganhar um animalzinho de estimação, quanto as mudanças tristes, como a separação dos pais, exercem impactos em suas ainda frágeis estruturas para interagir no mundo e conviver com as complexas relações interpessoais.
O que se vê, tanto no ambiente familiar, quanto nas escolas, é um despreparo dos adultos para ajudar a criança a entender onde é que ela se encaixa, quais são suas atribuições justas e a que ela tem direito, afinal. Os comportamentos precoces são estimulados e comemorados por muitos pais e educadores. Isso é um absurdo!
Com alarmante frequência, a criança fica excessivamente exposta aos dramas familiares, sob o pretexto de que a família está adotando uma prática de inclusão desse ser em formação na dinâmica familiar, como se isso fosse democrático. Não é. É injusto e invasivo. A criança fica tensa, acreditando que pode resolver problemas que estão absolutamente fora da sua capacidade de ação.
Não é raro ver crianças sofrendo o impacto de ter de tomar partido em disputas de poder entre o pai e mãe. Menos raro ainda, infelizmente, é ver crianças que chegam a passar mais de um dia sem ver o pai ou mãe, sem que tenha havido uma separação; “moram todos na mesma casa”, só que não se encontram.
Essa falta de cuidado com a constituição de um repertório afetivo é a principal causa para a manifestação de processos depressivos em crianças de 5 a 10 anos. Essa criança fica com as emoções à flor da pele, justamente por não ter tido a assistência necessária para lidar com o que sente, observa, pensa e vive.
Uma família negligente pode deixar passar sinais importantíssimos de que algo não vai bem. Não se trata daquela irritação momentânea, não é uma birra, não é “o jeito dela”, não é mau-humor de família. Mudanças de comportamento sempre encerram algum significado, por isso precisam ser observadas pelos adultos e analisadas com atenção e serenidade.
Padrões persistentes nas alterações de humor, começam com manifestações aparentemente simples: perda ou aumento significativos nas necessidades de sono ou apetite; choro fácil; medo de ficar sozinho; desinteresse pelas atividades de aprendizagem; falta de ânimo para brincar ou estar com outras crianças e manifestações agressivas ou excessivamente apáticas. Esses sinais, combinados ou não, podem indicar algum transtorno emocional, que pode ser facilmente confundido com “gênio forte”, preguiça ou rebeldia. Há ainda a questão da predisposição genética, crianças com pais ou avós diagnosticados com transtornos afetivos, têm naturalmente maior propensão para desenvolvê-los.
Da mesma forma que há elementos que podem contribuir para o aparecimento da depressão na infância, há formas de se criar ambientes protetores do desenvolvimento psicológico, social e afetivo. A família, os professores e todas as pessoas envolvidas na educação dos pequenos, precisam assumir seu papel fundamental que é o de oferecer bons modelos.
Um ambiente respeitoso, que favorece a manifestação de afeto e de ideias, cerca a criança de referências positivas, a partir das quais ela irá constituir suas formas de se relacionar com as mais diversas situações. É preciso saber dosar o nível das informações que se entrega a essas crianças; há assuntos que são apenas de responsabilidade dos adultos, não tem por que envolvê-las. Equilíbrio é a palavra-chave, como sempre.
O melhor que se pode fazer, quando se detecta algum aspecto destoante no comportamento dos pequenos é, primeiro não criar um drama em torno da questão.
Dramatizar o problema é a forma mais eficiente de não o resolver. Olhar com atenção para o tipo de vida que se está oferecendo a essa pequena pessoa. Às vezes é preciso dar um, ou alguns passos atrás para se corrigir a rota. Indispensável buscar aconselhamento psicológico, a fim de reconfigurar as relações e a rotina da criança, reformular conceitos com o objetivo de oferecer condições para que a criança recupere o equilíbrio emocional. Só não vale fazer de conta que não está acontecendo nada. A depressão infantil é problema de gente grande e precisa ser acolhido e tratado com atitude de gente grande, ou seja, com maturidade, amorosidade e respeito.
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