Lúcia é minha amiga desde que me entendo por gente. Tenho a impressão de tê-la visto à beira do berço me fazendo caretas já nos meus primeiros dias. Me acostumei a tê-la ali, espevitada, cheia de energia, morando do lado da casa onde cresci. Há alguns meses, o pai dela adoeceu e descobriu que estava morrendo de uma doença rara. Perguntei como era se despedir de alguém devagarinho, como era possível dar adeus tão pausadamente? Uma dor inconcebível, imagino.

Ela me contou que ele estava calmo e que ao contrário do que muita gente imagina nessas situações, não queria saltar de paraquedas, viajar pelo mundo ou fazer uma tatuagem. Ele pediu para voltar pra casa e continuou fazendo café com seu famoso pão de queijo para que seus amigos e sua família pudesse encontrá-lo. Ele já havia conhecido muitos lugares, mas nada se comparava à paz que sentia ao observar a fervura da água, o cheiro do forno preenchido de afeto e paciência. Um dia, fez algo que não costumava fazer: dormiu até mais tarde. E foi assim, sem alarde, que ele nos deixou.

Hoje fiz meu café e fiquei sentado na ponta do sofá com a xícara acolhida entre as mãos como se fosse um pequeno pássaro, olhando para a luz que vinha de fora da janela. Parte de mim pensava na sabedoria de Lúcia diante da morte. Sabedoria que sinceramente não sei se saberia um dia ter. Ela falava de seu pai com a doçura de quem ia revê-lo na noite de Natal, tangendo as crianças da mesa de doces.

Minha outra parte pensava nas pessoas com quem gostaria de passar meus últimos dias. Nos tantos amigos que não caberiam numa mesa, nas nossas músicas preferidas, Lúcia certamente estaria entre elas. Lembrei de todas as pessoas que já me surpreenderam com sua doçura deixando instantaneamente de ser desconhecidos meus, senti uma saudade danada da minha família.

Pensei no quão adoraria passar meus últimos dias com a pessoa que mais amei na vida vendo-a reclamar de qualquer bagunça que eu fizesse na cozinha, vendo-a alinhar os temperos como quem despreza a importância do tempo, vendo-a pegar no sono com um programa de TV, e eu diria boa noite mesmo sabendo que ela não me ouviria. Como se o fim da vida fosse só um dia preguiçoso que esqueceu de acordar.

Diego Engenho Novo

Escritor, publicitário e filho da dona Betânia. Criador do blog Palavra Crônica, vive em São Paulo de onde escreve sobre relacionamentos e cotidiano.

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Diego Engenho Novo

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