Dia desses inventei de dizer por aí que conheço quem se orgulha de ter visto o mundo inteiro mas nunca olhou na cara de seu vizinho. Pronto. Os gênios afeitos a paus e pedras saíram em defesa de seu direito à antipatia pura e simples.
Basicamente, suprimidos aqui os palavrões e as ofensas a mim e ao site que publicou o texto, os argumentos brilhantes diziam o seguinte:
“Prefiro mesmo conhecer o mundo do que olhar na cara do meu vizinho! E daí?”
Daí que eu acho feio ter orgulho da falta de empatia que nos assola e piora a vida cada vez mais, feito um rolo compressor movido a burrice e ignorância que vai macetando tudo que há, incluindo velhinhas, crianças, bichos, plantas e tudo quanto tenha um único problema: estar no caminho de quem acha mesmo ter a única opinião que merece crédito no mundo.
Uma senhora muito certa do quanto é especial me disse alguma coisa assim: “vizinho é um castigo. Se eu pudesse escolher eu escolheria não ter nenhum.”
Pois é. Mas a tal senhora só esqueceu um detalhe óbvio: ela também é “o vizinho”. Ela, eu, você e todo mundo somos a vizinhança de alguém. Logo, alguém por aí também deve lamentar a nossa existência por um motivo que, em geral, desconhecemos ou fingimos não existir.
Verdade é que as mesmas queixas que temos dos outros quase sempre se aplicam a nós mesmos. Mas a nossa incapacidade de se colocar no lugar do outro é tão grande que preferimos acreditar na fantasia de que somos os únicos habitantes do prédio, do bairro, da cidade, do planeta. Os únicos corretos, bem intencionadas, sensatos e merecedores de respeito que resistem na face da Terra. E o resto podia simplesmente desaparecer.
Em tempos tão carentes de empatia, tão precisados de gente que se empenhe e se coloque no lugar do outro, que acredite na gentileza e trabalhe para amenizar a grosseria que nos transforma em javalis, uma multidão se orgulha de ser justamente o contrário: antipática, individualista e burra, descaradamente estúpida.
Assim, implacáveis em suas grosserias, apontam, julgam e condenam nos outros os defeitos que também são seus, enquanto apertam o passo em sua barulhenta caminhada para trás, arrastando em marcha a ré quem estiver na frente. Cuidado com eles.
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