Uma vez, quando eu tinha oito anos, acordei de madrugada com um barulho de choro. Abri lentamente a porta do meu quarto e me aproximei da sala. Minha mãe estava consolando uma amiga dela, que estava segurando uma compressa de gelo no rosto.
“Eu descobri tudo. Quando começamos a conversar, a reação dele foi partir pra cima para me dar um murro no rosto.”
Fiquei tão atordoado que voltei para o quarto. Como é que alguém podia ter coragem de agredir aquela mulher? Nesse dia eu compreendi o significado da expressão nó na garganta.
Senti o peso da mão de um homem no meu rosto duas vezes durante a vida. A primeira vez no ônibus da escola. A segunda vez no início da faculdade. Duas agressões cometidas pelo fato de ser quem eu sou.
Além das agressões, cresci imerso em uma cultura conservadora. “Homem é assim mesmo. Se você for procurar, acha. Melhor ficar calada”. Minha infância foi marcada por traumas relacionados à figura masculina.
Todos esses episódios afetaram meus relacionamentos interpessoais. Conversa com colega de trabalho, gerente do banco ou porteiro do prédio. Comecei a desenvolver padrões de evitação. Se eu contar nos dedos as amizades que tenho, oito são mulheres.
Quantas vezes evitei uma conversa por conta do meu depósito de traumas? Quantas oportunidades perdidas por conta dessa situação?
Essa forma de enxergar o mundo afetou, sobretudo, meus relacionamentos amorosos. Quando conhecia alguém, a minha mente me boicotava. Cada relacionamento começava com um parecer precipitado de fracasso.
Parece que “o destino sempre me quis só”. Durante muito tempo vivi o abismo que Adriana Calcanhotto canta nesse trecho de Inverno. Entretanto, um dia liguei a rádio e escutei uma música que dizia:
“A vida é desfazer nós
nós de nós mesmos.
A vida da linha fica maior
se você consegue tirar o nó.”
Refleti sobre cada palavra dita. A metáfora dos nós da cantora Lulina me deu clareza para buscar ajuda. O primeiro passo foi reconhecer a existência de crenças limitantes. Depois, assumi pra mim mesmo a humildade de recorrer à terapia.
Comecei a liberar espaço para que uma revolução silenciosa pudesse acontecer dentro de mim. Parei de generalizar julgamentos. Comecei a desatar nós para permitir a aproximação de pessoas.
Hoje divido apartamento com meu namorado. Vivenciar essa experiência só se tornou possível graças ao trabalho interno, difícil e doloroso, mas, altamente necessário. Alguns traumas ainda me acompanham. Não sei se um dia vou conseguir me livrar. Entretanto, essa coragem de olhar para dentro, me faz deitar no fim da noite com a consciência do desafio cumprido de maneira gradativa, afinal de contas, “ninguém pode desfazer por nós, ninguém pode impedir os nós.”
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Amei