Eu sabia que era diferente desde a minha infância. Aos poucos, fui compreendendo que eu não atendia às expectativas do meio em que eu estava inserido. Entretanto, foi no corredor do ônibus da escola, que senti na pele o que é ser julgado por ser quem eu sou. Me transporto para cena e vejo o menino de 9 anos, ali no chão de alumínio, após ser empurrado pelos colegas, sob risadas e gritos de “veadinho”.
Hoje, enquanto sinto novamente o joelho machucado, fico aqui pensando: Que mundo é esse em que alguém apanha por ser diferente? Quem foi que ensinou para aquelas crianças que alguém merece apanhar? Que sociedade é essa em que precisamos esconder quem somos para poder não ser agredido ainda mais? Como viver em paz?
No tempo de criança, sofria com tudo o que eu escutava. Na família, na escola, na igreja. Sei que muitas pessoas, assim como eu, foram induzidas a anular o que existe de mais sagrado na vida: a própria identidade. Somos ensinados a nos culparmos e a abrir mão de quem somos para vivermos uma felicidade que não é nossa. Lembro todas vezes em que me vi em um mar revolto, questionando a mim mesmo.
Eu poderia ter naufragado no mar de angústias e inquietações, mas, consegui encontrar equilíbrio para olhar as coisas sob uma perspectiva diferente e nadar contra a correnteza. O tempo me ensinou a desenvolver o desprendimento da aparência social. Busquei liberdade através do estudo, terapia e fé para não viver refém do que outras pessoas vão pensar.
Recordo os versos da música “Minha alma” da banda O Rappa:
“Ás vezes eu falo pra vida.
Ás vezes é ela quem diz
qual a paz que eu não quero
conservar para poder ser feliz.”
E hoje eu tenho maturidade para afirmar que a paz que eu não quero conservar para poder ser feliz é o silenciamento da minha identidade. Não quero ser aquela pessoa que somente é respeitada porque guarda sua vida afetiva pra si, que não conversa sobre isso, que trabalha muito, mas não discute sobre preconceito, que não é afeminado, que vive com um “amigo”, mas nunca chama esse amigo de namorado. Me recuso a viver uma falsa paz revestida pelo discurso de que é preciso se comportar de certa forma para poder ser aceito.
Escrever sobre isso faz parte de um processo de cicatrização para que cada pequeno gesto possa refletir a construção de uma nova consciência. E nesse processo é importante tratar o assunto de uma forma sensível para que cada pessoa assuma um compromisso com o respeito pela diferença.
Hoje me levanto do chão e ergo a cabeça para limpar meus joelhos feridos. Olho bem nos olhos de todos aqueles que um dia me derrubaram para dizer: “Eu perdoo vocês e não sinto vergonha de ser quem eu sou. Hoje me orgulho em poder expressar de forma aberta o amor que sinto pela minha força interior.”
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