Há pouco assisti novamente a um filme quase esquecido, o qual gosto muito, chamado “Retrato de uma Mulher”. Na trama Isabel Archer, interpretada por Nicole Kidman, é uma americana jovem e sonhadora que pretende renunciar todas as chances de se casar para poder descobrir e viver o mundo. Sabendo de seu sonho, um primo resolve ajudá-la financeiramente garantindo a Isabel um grande montante de dinheiro e, animado, ele aguarda para ver o que Isabel fará da vida.
Para desapontamento de todos que estimavam Isabel, infelizmente, a moça deixa sua liberdade passear desatenta perto de pessoas gaiolas.
Acaba sendo vítima das armações de uma falsa amiga e de um homem dissimulado, Osmond, com quem se casa. Com isso Isabel se afasta aos poucos de todos os amigos verdadeiros, se tornando uma pessoa fria e monossilábica, uma mulher que teme ser ela mesma.
O que acontece com Isabel poderia ser apenas uma situação à parte de um filme antigo, mas acontece na vida real. Inúmeras pessoas cheias de sonhos deixam-se amarrar por outras e acabam presas dentro de gaiolas imaginárias.
No filme há uma cena marcante na qual Isabel ao visitar a filha de Osmond, ao caminhar ao lado da menina em direção ao jardim, nota que a menina estanca em determinado ponto. Ao perceber isso Isabel volta e pergunta por que a jovem parou e ela lhe diz que o pai mandou que não passasse daquele ponto. Isabel concluí que isso se deve ao sol e empresta a sombrinha à menina, que fica aflita, pois não pode seguir, mesmo com a sombrinha de Isabel.
Essa cena retrata bem como pessoas gaiolas roubam a liberdade das que estão sob seus domínios. E existe uma infinidade de pessoas gaiolas por aí. Elas estão em todos os cantos, em todos os lugares, parecem amar a liberdade, mas quando encontram uma alma livre correm para aprisioná-la.
Comumente pessoas gaiolas tratam as outras como posses e depois de as terem sob suas garras dificilmente deixam que elas partam sem cobrar um alto preço por isso. Seja em um relacionamento familiar, de amizade ou de amor romântico ninguém está livre de encontrar uma pessoa gaiola na vida.
Quando você se sentir sufocado, quando sentir que alguém o está segurando, e esse “segurar” tiver a ver com o aumento do seu medo e da sua insegurança para que você não conquiste seus sonhos; Quando você sentir que suas escolhas são, a todo o momento, colocadas em xeque; Quando você olhar o céu azul e quiser voar e aquele que prometeu-lhe uma gaiola apenas para sua proteção, se negar a abrir a portinha; Quando você esquecer que um dia voou, que um dia foi grato por ser exatamente quem você é; Talvez você se dê conta de que trocou sua liberdade por uma gaiola.
À princípio, essa constatação é muito dolorosa, mas é necessária. Talvez tenha chegado a hora de você se impor – às vezes só isso resolve. Talvez tenha chegado o tempo de tomar uma decisão, e com isso arcar com uma batalha cujo prêmio é você, do contrário corre-se o risco de permanecer no conformismo de uma gaiola confortável, mas limitadora.
No filme Isabel se dá conta que estava presa alguns anos após o matrimônio e quando anuncia ao marido que pretende ver o primo que está morrendo, o marido afirma que ela não tem razão para ir e se opõe. Mesmo assim, Isabel vai para a Inglaterra e por lá encontra um antigo amor que oferece a ela a chance de recomeçar.
Nesse ponto a história do filme, que é inspirada em um popular romance de Henry James intitulado “Retrato de uma Senhora”, é lindamente alterada pela diretora Jane Campion, a mesma do aclamado O Piano.
Henry James fala em seu romance literário sobre a força do conformismo e de como o tempo e as circunstâncias se encarregam de dissipar as aspirações, até que se tornem meras e vagas lembranças de um passado distante. No livro Isabel se rende e volta para Osmond para viver sob seus mandos e desmandos. No filme Jane nos faz pensar que talvez Isabel aceite a proposta que lhe é feita por alguém que realmente a ama.
No livro, Isabel não acreditou que poderia novamente alçar voo. Concluiu que as asas sobre suas costas não funcionavam mais e voltou andando, de pulinho em pulinho, para sua antiga prisão particular. No filme, Jane se recusa a aceitar o destino fatalista da protagonista.
Nós também devemos nos recusar a aceitar aquilo que nos rouba de nós mesmos. Não podemos nos esquecer nunca que todos nascemos para a liberdade, apesar das numerosas gaiolas que existem por aí.
Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.
Uma infância marcada por mimos excessivos pode deixar marcas duradouras na personalidade de um adulto.…
Alguns hábitos podem parecer apenas peculiaridades do cotidiano, mas segundo estudos psicológicos e pesquisas científicas…
O envelhecimento é um processo inevitável, mas não linear. Recentemente, cientistas do Primeiro Hospital Afiliado…
Fim de ano é sinônimo de renovacão. Enquanto muitos fazem balanços pessoais, é também um…
Saiba mais sobre as canções que marcaram gerações
Se você está em busca de um filme capaz de deixar o coração acelerado, “Bata…
View Comments
Fantastico! Impressionante texto! Pessoas gaiolas parece que estão lotando o mundo! Me enxerguei aí dentro destas linhas e me senti representada, sai da gaiola e peguei as rédeas de minha vida, e nestas alturas da minha vida ganhei meu mais precioso presente, estar comigo, curtir o que sou e ter os mandos e desmandos de mim !!!! Estou vivendo cada momento e amando cada segundo comigo mesma!
Maria Cunha, muito obrigada pelo lindo comentário! Beijos
Interessante.