O medo é um sentimento orgânico. Sua manifestação provoca reações emocionais e físicas, além de alterar a nossa percepção do mundo ao redor. Não há quem nunca tenha experimentado o medo, em alguma esfera, intensidade ou circunstância. E, para compreender minimamente este senhor tão antigo quanto implacável, é preciso antes respeitá-lo e, sobretudo, abrir mão de julgá-lo.
De uma hora para outra, aquele bebê risonho e sociável muda de comportamento; começa a estranhar pessoas que não estranhava antes, parece assustado, esconde o rostinho no colo seguro; por vezes, a rejeição é tão forte que o bebê chega a apresentar um choro sentido e expressivo. Essa alteração de comportamento costuma surgir por volta de seis a oito meses de idade e está relacionada com o desenvolvimento motor e emocional da criança. Nessa fase o bebê inicia um processo de percepção de si mesmo como uma outra pessoa e, não mais, como uma extensão de sua mãe. Assim, é natural que surja um sentimento ligado à sensação de ameaça, quando se está diante de alguém desconhecido. A mudança é motivo de comemoração, visto que este comportamento está relacionado ao amadurecimento das funções motoras, neurológicas e emocionais do bebê.
É no oitavo mês de vida que a criança passa a manifestar medo de ficar sozinha. Isso acontece porque é nesse período que ela começa a se socializar e expressar real interesse pela presença e companhia do outro. A criança chega a sonhar que está sem os pais nesta fase, e fica muito angustiada com isso. No entanto, é preciso entender que o sonho com a separação dos pais é outra manifestação de amadurecimento que se baseia no desejo de explorar o mundo.
Dos oito meses até aproximadamente um ano, além da perda dos pais manifesta durante o sono, a criança pode passar a temer perdê-los durante o dia também. A explicação vem do fato de que os pequenos acreditam que as pessoas desaparecem quando saem de seu campo de visão. Situações e lugares novos também costumam causar algum desconforto nessa fase; por isso, é importante que as novidades sejam apresentadas na presença dos pais ou do cuidador do bebê.
É bem nessa deliciosa fase que vai de um a três anos, quando a criança se torna um explorador do mundo que pode surgir o medo de máscaras ou pessoas fantasiadas; esse desconforto é explicado pela falta de intimidade da criança com tudo o que é diferente ou exagerado.
Já maiorzinhos, entre três e cinco anos, é comum a manifestação do medo de monstros, fantasmas, bruxas, trovão, de se perder. Esses medos têm relação com o imaginário, pois nessa fase de desenvolvimento a criança vai experimentando e começando a perceber o que é verdade e o que é fantasia. Assim, a fonte do temor ora é fantasiosa, ora é absolutamente real.
Dos cinco anos em diante, os pequenos podem ser mais facilmente atingidos pelas ameaças que fazem parte do mundo dos adultos. Por isso passam a ter medo de bandidos, de serem esquecidos na escola, de desastres naturais e da violência. Esses temores entram para o repertório da criança porque nessa faixa etária ela fica muito interessada pelo “mundo dos grandes”; e, junto com o fascínio pelas profissões, pela habilidade de dirigir um automóvel ou tomar decisões, vem uma maior aproximação com as tragédias cotidianas.
A partir dos seis ou sete anos, a criança entra em contato com o medo da própria morte mas, principalmente da morte dos pais; e, também tem horror a ser criticado, não agradar ou perder o amor do pai e da mãe. Esse temor vem com a percepção que a criança tem de que há situações irreversíveis que assolam as pessoas. E o receio de não agradar é uma manifestação íntima da percepção que a criança possui de que o amor dos pais depende de seus êxitos e comportamentos adequados.
As crianças de oito ou nove anos têm uma consciência mais ampliada acerca dos perigos e complicações que nos rondam. Elas sofrem com a possilidade dos pais se separarem, perderem o emprego, ficarem doentes ou sofrerem um acidente. Temem também pela segurança daqueles que amam e sofrem com a possibilidade de perder os amigos ou serem deixados de lado pelo grupo. São medos muito mais racionais e ligados à elementos que permeiam a vida afetiva e os relacionamentos.
Diante de tantas variações e modulações relativas ao medo no decorrer da infancia, é natural que surjam dúvidas acerca da melhor forma de lidar com cada situação.
No caso do bebê que começa a estranhar as pessoas ou manifestar medo, entra a sabedoria de compreender que tudo que essa pequena criança precisa é de tempo e da garantia de estar inserida num ambiente seguro, para que as pessoas, situações e experiências novas sejam vividas com tranquilidade e prazer; diante do desconforto do bebê, nunca force um enfrentamento; acolha-o, respeite-o e conduza-o com afeto a cada nova descoberta.
Quando a criança maiorzinha ficar com medo do palhaço na festa de aniversário, da bruxa no filme do cinema ou do Papai Noel no shoping, entenda que ela está buscando entender o que existe de fato, o que existe só no livro de histórias fantásticas e o que existe só na sua imaginação. Ajude-a a fazer essa “leitura” do mundo. Uma estratégia simples que pode ajudar muito é levar a criança a uma loja de fantasias e deixar que ela olhe, explore, toque, experimente. Fazer fantasias improvisadas em casa também pode ser uma atividade lúdica e prazerosa para ajudar a administrar este temor.
Os medos do cotidiano, como ser esquecido na escola, sofrer um assalto ou perder-se dos pais precisam ser tratados como são: reais e eventualmente passíveis de acontecer. Assim, diante de um temor dessa natureza, é necessário garantir à criança que ela sempre poderá contar com a proteção de um adulto conhecido; a garantia de segurança ajuda a criança a equalizador o medo. Outra orientação, igualmente importante é ter o cuidado de filtrar os conteúdos a que a criança tem acesso pela televisão, computador e outros veículos de mídia. Assistir a noticiários sensacionalistas, assistir filmes ou fazer uso de games violentos não traz nenhum tipo de benefício.
O medo de não ser aceito costuma ser mais frequente do que se imagina. Assim é preciso refletir sobre as dinâmicas da família para lidar com o erro, o fracasso e as frustrações. Pais extremamente exigentes e competitivos criam filhos ansiosos, tensos e cheios de dificuldades de auto aceitação. Pais extremamente permissivos ou superprotetores, criam filhos frágeis emocionalmente, inseguros diante dos desafios da vida e incapazes de lidar positivamente com as inevitáveis frustrações. Num caso ou no outro, as crianças crescem despreparadas para vivenciar situações não planejadas ou que exijam delas que se posicionem e façam escolhas; serão adultos com medo de crescer e enfrentar a vida.
O medo é componente desse caldo de emoções que modulam a nossa personalidade. Uma porção adequada dele nos é necessária, pois nos faz buscar proteção diante de uma situação de perigo real. Precisamos compreender que toda manifestação de medo é legitimamente humana; merece respeito, acolhimento e disponibilidade para estender a mão e ajudar aquele que sofre a comprendê-lo, seja para administrá-lo ou libertar-se dele.
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