“Quero a certeza dos loucos que brilham. Pois se o louco persistir na sua loucura, acabará sábio.” (Raul Seixas)
Quem já não ouviu a expressão “loucos não são eles, somos nós”, se refindo às pessoas que se encontravam nos (hoje extintos) manicômios, fazendo alusão ao fato de que qualquer pessoa “certa das ideias” não acharia normal viver na sociedade tal como ela se apresenta.
Referia-se que, em uma sociedade doente, permeada por desajustes de toda sorte, com injustiças para todos os lados, corrupção escancarada, falta do mínimo necessário à grande parte da população e escassez de controle emocional, os seres humanos não conseguiriam passar ilesos. Seriam, de alguma forma, atingidos pelo descompasso generalizado e ficariam desajustados em algum grau. Concluía-se, então, que quem vivesse plenamente bem nesse mundo torto, não estava em seu juízo perfeito.
Na minha opinião, esse raciocínio tem um pouco de sentido.
Vejamos: muitos de nós vivem correndo atrás do tempo, sempre tendo mil coisas pendentes, não dando conta de todas as obrigações que acredita ter, sem tirar muito tempo para se preocupar com cuidar da sua saúde psíquica e emocional, reclamando, sem buscar crescimento (não estou falando em material/financeiro), não se indignando com a inflação, as propinas envolvendo os nossos representantes e a corrupção nos mais diversos escalões, compartilhando o consumismo desenfreado e insaciável, convivendo ao lado de crianças com fome de comida e de amor, com animais carentes de cuidados mínimos, com pessoas sem-teto e sem esperanças, enfim. E o pior: ACHANDO ISSO TUDO NORMAL.
Temos que estar um pouco loucos, não é possível!
Se pararmos para analisar, talvez veremos que nunca nos demos ao trabalho de questionar se todas essas atividades “pendentes” na nossa vida são realmente necessárias, a ponto de nos angustiar. Se as milhares de tarefas do nosso dia – que necessitaria ter muito mais de 24 horas – tem alguma utilidade efetiva. Por que razão reclamos tanto (do tempo feio, da vizinha barulhenta, do trabalho desmotivador, do filho complicado, da falta de perspectiva) se a reclamação – por si só – não altera nada, e pouco nos atemos a falar sobre coisas bacanas. O que foi que incutiram na nossa mente sem percebermos que nos fez começar a pensar que roubalheira e politicagem são inerentes, que tudo bem a inflação estar só subindo, que “faz parte” do sistema a propina e que as leis – notadamente a Constituição Federal – existem para serem cumpridas apenas no mundo das ideias? Em que momento da escala evolutiva da humanidade se passou a entender que o certo é não nos afetarmos com os problemas alheios (inclusive os mais graves, aqueles que colocam em risco a saúde, a dignidade e o futuro dos nossos semelhantes)?
Aonde foi, pois, que perdemos parte da nossa razão? Por onde anda nossa sensibilidade?
É claro que resiliência, tolerância e compreensão grandes virtudes. Todavia, elas não podem ser deturpadas. Definitivamente, elas não devem traduzir conformismo, indiferença, mecanicidade, desencanto, desistência. Tudo tem um limite. Talvez não estejamos sendo razoáveis. Talvez não estejamos sendo humanos.
Quando foi a última vez que nos emocionamos com uma história inspiradora, que nos tocamos com uma música cheia de sentido, que nos extasiamos com um exemplo de superação, que nos deixamos deslumbrar por um final feliz de um desconhecido, que ficamos encantados com uma cena de amor, que tivemos esperança em um futuro melhor para a humanidade?
Quando foi a última vez que paramos para pensar na nossa saúde emocional, no nosso equilíbrio psíquico, na nossa evolução como pessoa, em “coisas da alma”? Com que frequência procuramos a leveza, não levamos a vida tão a sério, tentamos focar na alegria ou buscamos ser inspiração?
Afinal, ainda nos importamos em melhorar o mundo de alguma forma (nem que seja o nosso próprio mundinho interior)? Nos sentimos parte de uma grande família – a raça humana – na qual, como em todas as famílias, deve haver cooperação? Temos consciência do real potencial que possuímos, em todos os sentidos (de abrir a mente e o coração, dar uma “puxada no freio de mão” da rotina frenética, fazer a diferença de alguma forma)?
Passamos o tempo inteiro correndo atrás (do quê mesmo?), muitas vezes sem nem saber aonde queremos chegar. Andamos esgotados, e temos a impressão de que fazemos muito pouco do que gostaríamos. Nos acomodamos, muitas vezes, numa vida medíocre, sem grandes pretensões, sem muito entusiasmo, com muito cansaço.
Não podemos desistir do essencial. Não podemos viver num mundo à parte. Não podemos não nos importar. Não podemos, definitivamente, desencantar. Isso, sim, seria loucura..
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Obrigada, Martha! Abraço!