Se tem que acabar, que acabe logo. Não sou do tipo que fica lambendo os dedos quando o doce chega ao fim. Lavo logo minhas mãos. Sem fraquejar. Sem lamentar o fim que sempre parece chegar cedo demais. E vou vivendo o resto dos dias tentando não sofrer mais que o necessário. No entanto, fico com aquela pontada doída de quem furou a ponta do dedo com alfinete. De quem cortou a mão na tampa da lata de leite condensado. Dedo embrulhado em bandeide vagabundo que vai soltando cola com a umidade. Não posso chorar. Não aguento mais. Essa sua pseudo-traição de gente-boa-toda-vida acabou com minhas esperanças de ter alguém ainda para realmente confiar. Tô passada. Tô pretérita. Tô furta-cor de raiva. Vermelha de mágoa. Verde de decepção. Estou com vontade de acordar de você e nunca mais sonhar com ninguém. Viver reclusa dentro da redoma em companhia da rosa do príncipe. Descobri que o lema da raposa tem fundo falso e toda vez que a gente tenta proteger demais, acaba destroçado. Eu não tenho raiva. Não sinto desespero. Não tenho desejo de matar ninguém. O que me irrita é que não consigo me livrar desse aperto teimoso no peito que me faz lembrar a cada minuto que você mentiu pra mim um dia. Logo eu, que demoro tanto pra acreditar. Tenho vontade de pedir de volta meu coração que eu te dei no ano passado, que você jurou tomar todo o cuidado pra nunca deixar cair com ele no chão. Agora ele se quebrou uma vez mais. Você se descuidou e nos matou. Mesmo sem querer. Teu excesso de cuidado acabou com o nosso trato de sermos felizes até nunca mais. Estou cansada agora. Quieta demais. Com um pouco de medo do que está por vir. Eu sei que o mundo está em guerra. Pode até ser um pouco de egoísmo meu. Mas no momento o que eu mais queria era que toda a paz do mundo estivesse num carinho seu.
Crônica do livro As Maravilhas do País de Alice, Scortecci, 2008, de Alice Venturi.
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