Toda morte de uma pessoa próxima puxa um gatilho dentro da gente. A tradicional revisão da efemeridade da vida, um bom lembrete que daqui a gente não leva nada de material. Também não sei ao certo o que se leva, mas, sim, o que se deixa. Pessoas, histórias, compromissos na agenda, a roupa na máquina de lavar e algumas pendências. A única experiência palatável de perda que tive foi quando minha vó resolveu dormir na véspera de natal e o cansaço a impediu de levantar. Indolor, a morte tem uma cor meio âmbar. A morte tem gosto, tem rosto, mas não tem endereço. A gente perde o referencial de tato. A dor concentra suas forças no estômago e tira das mãos, dos braços, das pernas. A gente não sente nada, a não ser a visão meio turva.
Não sei por quanto tempo ainda vou reviver o momento de partida na minha cabeça, mas a memória da gente é bicho traiçoeiro, de todas as coisas que eu posso lembrar, lembro ainda de quem não soube me abraçar. Uma única pessoa que me abraçou como que eu fosse mulher de negócio, pelos ombros. Além de um vão físico, um vão moral. Demorei a digerir isso, até entender que a maneira que se teve de demonstrar atenção foi sendo útil. Soluções pragmáticas. Mas faltava tato. Não havia muito o que se esperar de quem sempre me cumprimentou com um aperto de mãos. A sacanagem é que a gente sempre espera mais. E memória registra, click.
Na vida, a morte não é o único momento de luto. No fluxo orgânico de vitórias e derrotas, medos e angústias, a montanha russa passa por túneis. Tenho passado o tempo meio aterrorizada, com medo de abraçar as pessoas pelos ombros, de perder o tato, de não olhar dentro dos olhos, de esquecer a receita do bolo de cenoura. Nenhum momento havia testado a minha ausência de habilidade, até perceber que meu erro foi achar que pessoas fortes não desmoronam. Até me dar conta de que eu ainda não sei o que fazer em todas as situações, nem nunca vou saber. Ao menos não toquei pelos ombros, mas.
Eu não soube abraçar.
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