Lembro de um tempo que havia solidão em mim. Disseram que havia, porque eu não olhava para os lados. Foi uma amiga que assumiu função de vidente no dia do meu aniversário e me lia como cigana que lê mãos. Eu me achava tão difícil de ler, mas era moça de obviedades. Era nítido, eu não movimentava sequer os olhos que dirá o pescoço. Pouco me interessava as pessoas. Mas ecoava um toc toc de santo-de-pau-oco que não convencia nenhum devoto que dirá a mim mesma de que não havia uma ausência. “Você é uma pessoa que tem amor transbordando, tem amor para o mundo inteiro.” Eu fingia que aquele amontoado de profecia e palavramento era uma grande surpresa, mas não era, qualquer um podia ver. Cansei logo de resmungação de sozinhês e voilá Tinder. Sim, Tinder.

Definitivamente, eu não era boa nisso também. Fiz piada do troço. Quanta gente esquisita, deus! Fora as conversas iniciadas que não iam adiante, erros de português e trocadilhos de flerte piores que zíper enferrujado. Confesso que não foi uma ou duas vezes que simplesmente parei de responder e joguei vários nomes no limbo dos ignorados. Não foi uma ou duas vezes que fizeram o mesmo comigo. Eis que depois ano, uma mensagem aleatória, dessas conversas perdidas para sempre e além, brota no whatsapp. O sujeito disse oi depois de ano. Oi,oi. Socorro! A etiqueta diz que uma vez no limbo, para sempre no limbo. Mas confesso que me deu comichão para responder: Chegou tarde, cara. Atrasou rude, atrasou feio.

Porque transbordava amor em mim, precisou que houvesse um moço que me deixasse dar vasão. Porque eu não cabia, precisava que não me cercassem demais. E porque o sol era quente, precisou que houvesse um pouco de sombra e água fresca. Um pouco de poda para roseira crescer bonita. Precisava dessas substâncias que não havia em mensagens miojo, prontas em 3 minutos. Porque havia fome grande, a refeição precisava dar sustança e não de algumas azeitonas. Para que a solidão não mais houvesse, foi preciso deixar que o moço bonito chegasse. Havendo ele já chegado há tempos, você chegou tarde, cara.

Maria Gabriela Verediano

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Maria Gabriela Verediano

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