Categories: André J. Gomes

Vivo com pouca grana. Com pouco afeto, nem pagando.

É assim. Aqui só entra com afeto. É favor deixá-lo à mão. Na cara, no gesto. Apresentá-lo de quando em vez, sem ser solicitado, também é bom. Não tem jeito. Sem afeto, aqui, nada feito.

Eu não topo grosseria, patada, grito, rispidez, azedume, desamor. É simples: vem com afeto ou nem precisa vir.

Faz assim. Quando me falar, fale com calma, decência, elegância. Ou não perca o seu tempo. Eu não vou ouvir. Juro. Discorde de mim, critique minhas ideias. Mas tenha a bondade de fazê-lo como gente. Falando. Não aos relinchos e coices.

Não grite na minha cara, não me faça grossura. Se não for possível, é só não falar comigo. Vem com delicadeza ou deixa pra lá.

Dia desses, fui falar sobre isso a uma mula completa, um ruminante orgulhoso, desses que compraram a verdade, e ele me perguntou: “quer dizer que você só aceita elogios?”

Não. Mas as mulas completas sempre entendem tudo completamente errado. Por burrice ou por maldade, superficializam toda questão e distorcem o que você diz. Fazer o quê?

Não adianta dizer que eu prefiro estar perto de gente educada, que não perde tempo com picuinha e conversa inútil, que quando precisa dizer o que pensa, mesmo que seja um insulto, o faz sem gritar ou se cala e se afasta.

Quem tem afeto por mim também tem a liberdade de me dizer o que pensa. E vice-versa. O carinho que eu tenho por você é do tamanho do meu direito de lhe dizer o que quero. Se não há afeto entre nós, não há sentido em perdermos um só segundo um com o outro.

Discussões não são disputas esportivas nem batalhas campais. Não há “vencedores” ou “derrotados” numa conversa. Há pessoas com opiniões diferentes, livres para expressá-las e defendê-las sem querer mudar a posição do outro. Se a minha opinião é diferente da sua, você não precisa me obrigar a pensar e agir como você. Muito menos precisa me ofender ou me odiar. E se não puder viver com isso, adeus.

Você me perdoe. Mas eu escolhi não me aproximar de gente por quem eu não possa sentir o mínimo de ternura. Preciso gostar de algum jeito até do sujeito que me vende café de manhã. Ou vou tomar café noutro lugar. Não é pedir demais, não. É cuidar bem do tempo que me foi dado na vida. Não admito rudeza, muito menos sem motivo.

Eu reconheço. Gente de pouco afeto não me interessa. Fico perto até a primeira chateação. Depois, só por obrigação e olhe lá. Passo longe. Não quero, não gosto. Não me faz bem. Vou embora. Só fico se for por gosto.

Viu a placa ali na porta? “Quem tá fora pode entrar, quem tá dentro não sai”.

Entra. Pode vir. Vem que é hora. Vem com tudo. Vem de jeito. Vem com gosto. Vem com fé. Vem. Traz suas coisas. Tem lugar. Vem de mala, vem de cuia. Vem que a casa é sua. Mas vem com afeto. Ou pode ficar por aí.

André J. Gomes

Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.

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  • Acho que silêncios ensurdecedores e indiferença ao nosso afeto, em certas relações, também se encaixaria... Embora aí caiba o nosso próprio exercício de amor próprio.

  • nossa. que lixo.
    parece uma princesa que não pode ser contestada.
    a vida não é assim, nem em relacionamentos, nem em nada.

  • Excelente texto. É um posicionamento do narrador diante de seus relacionamentos. A perspectiva está longe da realidade mas é impossível de conseguir e construir uma relação tranquila e construtiva. Gostei principalmente do 9° paragrafo. As pessoas internalizaram uma cultura de competição e exaltação, influenciada pelas novelas e filmes como se fosse desse jeito o tempo todo. O texto em si vai na contramão desses comportamentos.

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André J. Gomes
Tags: pouca grana

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