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Tudo aquilo que não é amor

Um dia desses fiquei refletindo sobre um trecho de um texto, atribuído à Ana Jácomo, que circula bem pelas redes sociais: “É fácil amar o outro na mesa de bar, quando o papo é leve, o riso é farto e o chope gelado. (…). Difícil é amar quando o outro desaba. Quando não acredita em mais nada.”. E fiquei pensando nas pessoas que conheço e nas habilidades que possuem: tocam violão, desenham caricaturas, são ávidos leitores, cozinham como um chef francês, dançam com a leveza das ninfas, falam três línguas ou, simplesmente, têm o dom de fazer companhia como ninguém. Às vezes, quando imagino essas pessoas desempenhando com destreza suas habilidades meus olhos até brilham.

Estranhamente, a maioria destas pessoas está no que eu chamo de um relacionamento automático. Suas habilidades não despertam nenhum tipo de admiração mais. O violão ficou jogado pelo canto, afinal, todas as vezes em que ele pensou em fazer serenata, ela olhou pelo canto dos olhos, fez uma careta qualquer e continuou assistindo a novela. Ela não sabe, mas talvez ele tocasse Scorpions para ela, com os olhos marejados, lembrando do dia em que se conheceram. As refeições tornaram-se arroz, feijão e um steak de frango, descongelado no micro-ondas, já que há anos ele apenas engolia, de cabeça baixa e em silêncio, sem dizer uma única palavra sobre a textura perfeita do lombo de carneiro marinado doze horas em ervas finas. As danças são agora alvos dos olhares cheios de inveja de ambos, porque eles já não se acertam mais, pisam no pé um do outro, trocam farpas nos ouvidos um do outro sobre o comportamento dos filhos. Então, se é assim, melhor ficar olhando os casais felizes, que podem dançar sem sussurrar maldades aos ouvidos. Ou seja, é o automático. Pouco importa que habilidades o parceiro tem, de que isso serve? Tanto faz! O outro é agora desinteressante e desinteressantes são também suas habilidades, são até enfadonhas, na verdade.

Estas pessoas têm uma história de desvalorização e já não entendem que o verdadeiro amor é nutrido por meio de admiração, estas pessoas não sabem mais que quem não te admira não te ama. É um erro profundo não valorizar as pessoas por seus talentos, habilidades, dons e não brilhar os olhos ao vê-las desempenhando estas coisas. Estas pessoas não sabem mais que se não existe admiração e valorização não pode existir nada, além de interesse. Estas pessoas não entendem que se as únicas coisas que recebem são críticas negativas, não pode existir amor. Estas pessoas se tornaram como o cão maltratado na coleira, que aceita a pancada porque no fim da tarde terá um prato de ração barata. Isto resume a síndrome de Estocolmo aplicada às relações amorosas.

Se você aceita alguém que não te admira, que não valoriza nenhuma das suas aptidões e habilidades, você está refém de um resto qualquer que nem você sabe mais o que é, mas amor com toda certeza não é. E se aceita e se submete a viver com um resto de sentimento, prefere isso a tentar encontrar o que realmente merece, então, já está morto e nem sabe, porque admitiu que as migalhas são suficientes, preferindo se entregar ao conformismo do “deixa estar, já que é isso que tenho”. Amor exige de todas as formas admiração. Não há como fugir disso. É a única regra! A única determinação plausível no amor: admirar.

Sobre as coisas que o amor não é: anel no dedo; álbum de fotografia; conta bancária conjunta; jantar com hora marcada,  acompanhado por um silêncio mortal; morar na mesma casa e passar dias sem se falar; manter a aparência de casal feliz diante da sociedade; ruminar dores passadas em silêncio, enquanto sorri para o cônjuge; não ter orgulho de quem você diz amar; falar mal de quem você diz amar e, principalmente, dar de ombros para as habilidades que o seu suposto amor tem.

Pode ser que você não valorize, mas do lado de fora da cerca está cheio de gente disposta a valorizar e é nestes momentos, que se abre a oportunidade para ele partir. Assim também é se o desvalorizado for você. Pode ser que alguém, do outro lado da cerca, admire o modo como os cachos dos seus cabelos balançam ao vento; ou se encante com o seu sotaque; fique com água na boca com o cheiro da sua macarronada. Pode ser que o outro lado da cerca se torne tudo que você precisa e merece: o amor.

Rândyna da Cunha

Rândyna da Cunha nasceu em Brasília, Distrito Federal, em 1983. Graduada em Letras e Direito, trabalha como empregada pública e professora. Tem contos publicados em diversas revistas literárias brasileiras, como Philos, Avessa e Subversa. Foi selecionada no IX Concurso Literário de Presidente Prudente. Participou da antologia Folclore Nacional: Contos Regionalistas da Editora Illuminare e das coletâneas literárias Vendetta e Tratado Oculto do Horror, da Andross Editora- http://lattes.cnpq.br/7664662820933367

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