Eu olhei pra ela e me apaixonei. mas na verdade não foi por ela de verdade- eu gostei foi do modo como os olhos se encaixavam naquela iluminação, a roupa rasgada, a cor da tinta na cara. ou seja: eu me encantei, de verdade, foi com a personagem dela. porque depois do fim do espetáculo, quando ela tava gente-que-nem-eu, de calça e jaqueta jeans, o cabelo semi-preso num coque, a cara dela era igual às das outras. igual à minha, inclusive. o desejo é uma coisa que surge dentro da gente quando existe um certo quê de mistério no outro e, nessa ânsia de querer conhecer o que há lá, chegamos ao extremismo do que nos é cabível de invadir e adentrar no outro. sentimos umas coisas coloridas-quente-vermelhas que vão passando pela carne, uma energia, um descontrole, e nessas horas viramos um misto selvagem entre o bicho e o bruto. e a atriz tem que ter em mente que, no palco, encarna energias diferentes de dentro dela e é preciso saber lidar com a responsabilidade dessa cativa toda. na cena da peça feminista, ela me falava de mulher loba, de um certo quê selvagem, um místico do feminino quase que difícil de reconhecer em mim. a loba, pra mim, era só ela. a moça me olhava de baixo pra cima com um ar misterioso de quem tinha encontrado um segredo e queria me dar, seus olhos carregavam as palavras não-ditas do Agora e, quando eu vi, eu estava indo também. mas não tava sendo levada, arrastada por ela, não. alguma coisa sem-nome entrou em mim e eu simplesmente fui, enquanto de longe ela voltava pro camarim onde já residia a minha saudade do instante que se foi.
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Obrigada! <3