Sempre que nos aproximamos de alguém, a nossa leitura de realidade vai infinitamente além do que o nosso cérebro processa racionalmente. Captamos não só o que nos é dito, mas também processamos informações visuais, cheiros e temos reações emocionais diversas a partir de tudo o que é constantemente percebido pelo nosso corpo. Somos influenciados pela nossa história pregressa em todos os níveis: do fisiológico ao racional (que é o último a compreender a situação).
O contato com uma pessoa pode ativar reações de medo, se algo que já passamos no passado possui alguma característica que captamos involuntariamente (um cheiro, um modo de olhar, um vacilo ao falar). Da mesma forma podemos sentir inveja, culpa ou repulsa sem admitirmos isso para nós mesmos, pois alguns sentimentos não são considerados nobres socialmente. Logo, sempre será mais fácil atribuir ao outro uma característica negativa, que aceitá-la em nós mesmos. É comum que invejosos definam-se como invejados, que pessoas que costumam ser injustas definam-se como muito injustiçadas ou mesmo que pessoas que têm dificuldade em ver o bem do outro atenham-se a descrições maldosas de terceiros. (já falei disso aqui).
É por causa de percepções de eventos anteriores, e que não conseguimos racionalizar, que temos a tendência a repetição de comportamentos. Quem já não ouviu aquela história de um conhecido que só namora pessoas que têm problemas com bebida, de um primo que já foi traído várias vezes, – mesmo sem ninguém entender (nem ele) como consegue sempre escolher relacionamentos com as mesmas características negativas e que lhe são prejudiciais- e assim por diante. As pessoas têm suas reações e fazem suas escolhas baseadas em algo familiar (não necessariamente bom)e que, muitas vezes, nem chegam a entender.
Podemos nos sentir mal perto de alguém por razões óbvias, que vão de um conflito de ideias, choque de valores ou até mesmo por identificar um espelho do que nós mesmos somos ou tememos ser.
Uma pessoa que pensa diferente pode agredir verdades pessoais pré-estabelecidas e, assim, causar uma ansiedade reativa através de comportamentos intolerantes.
Uma pessoa que é diferente da maioria pode causar medo pelo desconhecido representado por uma cultura, cor de pele, religião, orientação sexual ou até política. A rejeição de alguém costuma ser reflexo da inabilidade para lidar com o novo: agride-se o desconhecido.
Nos dois casos mencionados acima, a pessoa inábil tende a rechaçar, descartar e evitar o que teme ou agride seus frágeis conceitos anteriores.
A atenção às suas próprias reações torna-se vital, pois é ela que permitirá que a consciência detecte os motivos das reações positivas (simpatia imediata, por exemplo) ou, como aborda o título, o mal estar.
Se conseguirmos identificar quando o nosso mal estar é legítimo (e não um mero mecanismo de defesa de nossas próprias dificuldades), teremos a capacidade de usá-lo de maneira sábia e evolutiva nos afastando de situações que nos causem real perigo ou nos aproximando do que pode ser benéfico (muitos chamariam isso de intuição).
Logo, a intuição nada mais é do que aprender a ouvir nossa mente e corpo de maneira limpa e filtrando os mecanismos de defesa que, embora nos protejam de algumas de nossas dificuldades, nos privam da verdade das coisas e das situações.
Reflexões pessoais sem juízo moral, como as que acontecem nos processos psicoterápicos, ajudam as pessoas a perceber, aceitar e lidar com as diversas esferas de si.
O autoconhecimento, de maneira geral, permite que saibamos cada vez mais quando devemos nos afastar de alguém porque esse alguém realmente nos faz mal ou quando a mudança deve ser pessoal.
Termino com uma frase que vi em uma tirinha sem autoria:
“Minha mãe sempre disse que não devo andar com pessoas ruins, mas, e se a pessoa ruim for eu?” 😉
Imagem de capa: Gregory Colbert
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