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O pior cego é o que diz “não vi e não gostei”

Não se engane. Julgar um livro pela capa, uma pessoa pela aparência ou um texto pelo título é burrice e ponto. Ultrapassa o limite do preconceito. Rompe a barreira da nossa resistência natural a um assunto ou outro, vai além do direito de cada um a uma primeira impressão aqui e outra ali, uma opinião precipitada de vez em quando, uma implicância à toa e esses escorregões a que todos estamos sujeitos. Quem bate no peito com orgulho e diz “não vi e não gostei” é uma besta monumental.

Em algum momento, em qualquer nível, todos somos preconceituosos. Acontece. Preconceito é uma ideia provisória a respeito de algo. Ficamos com ela até chegarmos a novas conclusões menos superficiais que confirmem ou corrijam o que pensamos de antemão. Agora, calcificar uma ideia preconcebida e fazer dela uma verdade em que não se pode mexer é uma imensa estupidez.

Pior do que ser uma mula preconceituosa e empacada é vestir de convicção intocável o que não passa de um pré-julgamento. Disfarçar de verdade absoluta um mero palpite inicial. Encerrar o assunto sem sequer tê-lo olhado pelo buraco da fechadura. Quando isso acontece, a ignorância proposital despreza e pisoteia uma das poucas verdades simples da vida: nós não sabemos tudo. Nunca vamos saber!

Quem não tem a humildade de reconhecer que desconhece tem desprezo por toda chance de aprender. Em geral, exibe excesso de empáfia, arrogância, mania de superioridade. Sentimentos daninhos e estrábicos que no meio do caminho facilmente se transformam em ódio, incompreensão, intolerância e essas coisas que tornam o mundo pior todos os dias.

Com a infinita quantidade de informações oferecidas pela Internet, nunca a máxima “não vi e não gostei” fez tanto sentido. Não somos apenas “uma geração” que não vê e não gosta. Somos um mundo inteiro de pessoas tomando conclusões impensadas, julgando, apontando o dedo, acomodando-se em juízos superficiais por preguiça de pensar. Pecando pela mais imbecil e lamentável má vontade.

É claro que todos temos o direito de não gostar de seja lá o que for. Mas o mínimo que se espera de uma pessoa provida de inteligência é que ela saiba realmente do que não está gostando. Que se aprofunde como puder a respeito do que rejeita e o faça com propriedade. Que não se contente em boiar à deriva, superficial, enquanto grita “vejam, vejam como eu sou idiota, vejam como eu sei fazer birra, vejam como eu insisto em não mexer nas minhas certezas e verdades prontas, vejam, eu sou uma besta completa e tenho orgulho disso!”

Não ver e não gostar de uma entrevista de um político sabidamente machista, homofóbico e racista, por exemplo, é diferente. Você já tem elementos suficientes para saber que se trata de um político machista, homofóbico e racista. Então não é exatamente “não ver e não gostar”. Você já viu e não gostou. É outra coisa. Em casos assim, ainda vá lá. Em todos os outros, nada justifica falar mal sem conhecer, julgar sem compreender, condenar sem refletir.

Faz uma forcinha, vai. Olhe além. Não diga “não li e não gostei”. É feio. Se quiser mesmo fazê-lo, a vida é sua, o problema é seu. Mas não saia alardeando isso por aí, não. É patético.

Pense um pouquinho antes. Nem que seja por respeito à sua própria capacidade de formar uma opinião. Fale horrores do que viu, leu, ouviu. Mas fale com a propriedade de quem conheceu e refletiu ou não fale nada. Não caia na armadilha da superficialização sem mais. Fuja do vergonhoso “não vi, não gostei”.

Preconceito nesse nível é um veneno que nos mata aos poucos. Isolados em nossas impressões pessoais, entrincheirados em nossos juízos de valor, sufocamos novas possibilidades. E tornamos o mundo pior enquanto fingimos, cínicos e desavisados, não saber o que estamos fazendo. Triste. Muito triste.

André J. Gomes

Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.

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André J. Gomes

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