Hoje eu venho aqui pra te dizer porque eu sai andando e te deixei falando com o vento, te deixei a ver navios, é que enquanto você estava ali tentando entender o preço da viagem eu te dava tchau da proa.
É que eu não posso ficar com quem não queira ver o mar, com quem tem mais problemas pra somar do que sábados para se perder. Com quem queira entender e listar os riscos e detalhes da vida antes de se arriscar a viver.
Eu não posso ser a receita de bolo ideal pra você, porque quanto mais eu ando mais eu desando todas as medidas e conceitos e eu às vezes invento de colocar frutas do quintal nesse seu pão de ló quadrado e perfeito.
Porque eu não posso ficar com quem não queira parar de reclamar e de olhar a vida como um enfadonho fardo, com quem aceita o gosto amargo do destino arruinado na língua. E com quem joga todas as esperanças num bilhete de loteria para ver se o mundo gira e esquece de sentir a brisa do existir agora.
Porque eu não posso ficar perto de quem mede as possibilidades, a profundidade dos mergulhos, colore os dias com um realismo cinza, gasta tempo fazendo quinhentas planilhas, não perdoa sete erros na mesma pessoa e seleciona os sonhos que mais se enquadram na probabilidade restrita de vingarem.
Porque eu não posso te fazer olhar pela janela e pintar a vida com aquarela e te dar um beijo em silêncio, num vazio de pensamentos e com os olhos fechados de dois adolescentes que se entregam e sabem esquecer do mundo.
Então, hoje eu venho aqui te dizer porque eu parti: é porque eu vi que alegrias e encantamentos eu já tenho no olhar e eu prefiro e preciso compartilhar os meus momentos com quem está a fim de cair sem paraquedas aqui dentro. Eu prefiro ficar perto de quem queria ver o mar e se molhar hoje e esqueça de todas as contas a pagar amanhã.
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