Quando eu tinha uns 6 anos eu fui submetida a minha primeira entrevista de seleção. Eu não sei por que de ser entrevistada para a minha primeira etapa na escola, já que a ideia era justamente acessar uma educação – eu não tinha muito para oferecer antes disso (era essa a ideia da escola, não?). Mas mesmo assim eu ainda era uma privilegiada, como uma minoria no meu país. A entrevista era uma mera formalidade, já que na escola particular (aquela que meus pais pagariam lhufas de dinheiro para me receber) não pensaria duas vezes em me aceitar.
Mas mesmo assim, faziam charme para garantir “os melhores dos melhores” e eu, na magistratura da minha infância, tive que provar para as freiras do meu futuro colégio, que eu recebera uma educação primaria em casa – aquela que evitava que a criança fosse mal educada, tivesse chiliques, ou mijasse nas calças. A minha mãe me vestiu com a jardineira mais bonita que eu tinha, me fez usar as meias-calças que eu odiava, mas que me davam certo requinte, e penteou bem o meu cabelo. Respondi as perguntas sobre meu vasto desejo por um ensino de qualidade, e depois de alguns dias de avaliação, fui considerada apta para o jardim de infância.
A vida seguiu e eu tive que me provar o tempo inteiro. Da primeira a oitava série decorei mais fórmulas e regras gramaticais, que o papa e seus anagramas. A cada nova fase, provas e provações. Na oitava série mudei para o ensino técnico estadual, que era mais forte e me prepararia mais para o concorrido mercado de trabalho. A concorrência começava na prova de seleção para uma das limitadas vaga nestas instituições disputadíssimas, que iam tirar o meu couro por mais 4 anos. Desenho técnico, todas as variações absurdas de química existentes (inorgânica, orgânica, microbiológica, tudo para hoje eu só lembre que o Nescau vem antes do leite porque o sólido vem sempre antes do líquido). E nem me venham comentar a física. Mendiguei mais aulas adicionais de física do que amor em toda a minha vida, tudo para ficar com a média 4,00, e entrar férias adentro na recuperação para não perder o ano. Eu subornei uma professora de matemática com rios de lágrimas quando faltou 0,07 na minha aprovação, e paguei o “favor” com aulas de monitoria para turmas mais novas.
O vestibular veio só para provar que a vida adulta era apenas o começo do corrida. Ralei em tudo que foi matéria inútil, mesmo dentro do curso específico da profissão que escolhi. Estapeei-me com outros alunos por estágios mal pagos. E passei o resto da vida de entrevista em entrevista provando o meu valor a cada vaga medíocre que me garantisse algum aprendizado e experiência para colocar no meu currículo. E de novo, eu sempre reconheci meus privilégios. Meu acesso à educação, minhas aulas particulares de inglês, e um MBA lá fora que cursei vendendo o carro (e a alma). A maioria dos cidadãos do meu país nunca teve acesso a todas as oportunidades que eu tive. E ainda assim, eu suei as axilas fazendo o meu caminho na ascensão do meu sucesso pessoal e profissional, mirando o meu lugar ao sol.
Domingo dia 02 chegamos a mais um daqueles raros momentos onde quem define quem fica com a vaga sou eu. Pelo menos na minha cidade. Eu e mais um monte de gente, é claro. A grande diferença é que pouquíssimo sei dos candidatos disponíveis. Ainda que acesse a informação disponível. Mas convenhamos, quem de nós pede currículo para candidato político? Será que eles entendem de matemática, finanças aplicadas e de orçamento municipal? Estudaram a história da instituição para a qual estão aplicando por uma vaga? Eu escrevi dezenas de redações na minha vida acadêmica sobre ética, moral e toda a filosofia que molda o pensamento crítico de um cidadão de bem. E estes candidatos? Foi lhes testado o conhecimento sobre as regras que ditam o nosso convívio social? Eu tive 3 cadeiras inteiras de marketing social, onde fui cobrada por projetos em comunidades, e que só foram aprovados depois horas excruciantes em cima de livros e questionários aplicados na população. Todas as respostas e soluções que eu propus, passaram por duríssimas bancas – acadêmicas ou profissionais antes de serem aceitas. De quais candidatos foi cobrado prática, experiência ou sequer um plano bem elaborado para ganhar a nossa aprovação na seleção de domingo?
E nem por isso eu vim aqui dizer que eu tenho mais preparo do que qualquer político, ou muito menos alegar que nenhum deles está apto ao cargo. Mas onde estão disponíveis estas avaliações? Em sites bem bolados pelos colegas de marketing político? Nos “santinhos” que entopem minha caixa de correios e os bueiros da minha rua? Por que nós somos cobrados , testados e exigidos de excelência para qualquer posição meia-boca, quando não botamos a teste as mais altas cabeças que decidem tudo por aí? Aqueles que detêm as chaves das nossas escolas e hospitais. Não seria justo que eles passagem por um vestibular político? Aquele que acertasse mais questões importantes sobre a sua cidade passava de fase? Depois iriamos para entrevistas ao vivo com a população, e o processo todo culminaria com uma prova prática antes do resultado final. Não seria uma boa? Quem tivesse a própria conta bancária em ordem e as multas pagas ganhava um ponto extra. E ficha limpa renderia uma estrelinha dourada na imagem que aparece na urna. Já pensou? Ah, e o aprovado teria que ser re-acessado todo mês por nós eleitores. Justo, não?
Numa sociedade onde a pior das vagas de trabalho exige pós-graduação, e oferece condições de ensino caóticas, me admira muito todos nós aceitarmos esse constante tiro no escuro. O votar pra ver no que dá e esquecer depois. Sendo assim, se for pra falar de reforma política como muito está se falando, que levem mesmo embora a filosofia, a educação física e outras “firulas” (repare a crítica nas aspas) do nosso currículo escolar. Mas nos entreguem educação política. Crítica e imparcial. Porque convenhamos, a gente vem errando neste tipo de prova faz tempo. Repetindo de ano constantemente. E daqui a pouco… daqui a pouco não tem mais tempo para recuperação.
Eu quero educação política nas escolas. Podem colocar no lugar de logaritmo. Eu nunca entendi pra que servia aquela m* mesmo.
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