Eu sempre achei que o amor fosse feito de uma massa consistente. Uma massa feita de onipresença, de paciência, de silêncio-dialogador e de paz. Sempre achei que o amor tinha um ”Q” de paz. Essa coisa que surrupia a gente, embrulha o estômago e acelera os batimentos cardíacos nada tinha ver com amor. Eu repetia como quem soletra um ditado: isto-nada-tem-a-ver-com-amor. De todas as substâncias que se diz que o amor é feito, nenhuma me abasteceu, nenhuma calou minha inquietação de querer saber o sentido das coisas.
Um certo dia, em uma daquelas manhãs que não se ouve o canto do pássaro, nem o motor dos carros descobri que o amor é o que fica depois de tudo que já foi dito. O amor é o que resta depois dos discos devolvidos, depois das cartas rasgadas, depois das fotografias extintas. O amor é o que fica depois da xícara suja de café na pia. Amor é o que fica depois da ceia, depois de todos estarem fartos. É o que fica depois da ausência. Depois das acusações. Depois de todo tsunami de luto, o que resta entre os pilares frágeis é o amor. Amor não tem nada a ver com permanência, tem a ver com transformação. Amor não tem a ver com paz, porque ele é um transatlântico de mares antes nunca navegados. Mas na maioria das vezes, os marinheiros são inexperientes. O amor é uma viagem sem volta. Amor passa por cima de qualquer sacanagem, por cima de qualquer sentimento sujo. O amor não se despede, ele fica escondido dentro da mala. O amor fica nas chaves que foram devolvidas. Amor é o que fica depois das ligações não atendidas. O amor fica na boca de quem disse adeus e no ouvido de quem não teve o que responder. O amor é o que fica no apartamento vazio. Amor é uma alegria clandestina de saber que ele/ela passa bem, se casou e está prestes a ter um filho. Amor é desejar que o outro siga bem e sempre em frente, mesmo que isso signifique seguir sem você.
Glossário: 1- O amor é uma sem-vergonhice. 2 – O amor é uma confusão. 3 – O amor é a sua própria substância. 4 – O amor pode ser um copo meio cheio ou meio vazio. 5 – O amor é uma borboleta azul que entrou pela janela e saiu pela porta. Segundo Ribamar Júnior, o amor é uma cãibra.
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