Existe um provérbio chinês que diz que existem 3 coisas que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra proferida e oportunidade perdida. Eu não sou nenhuma praticante de arco e flecha, mas me acuso como uma tagarela profissional. Ou seja, o costume de jogar as minhas palavras para o universo tende a ter um efeito, e ele às vezes é assustador. Após a minha análise sobre o texto de Gregório Duvivier para Clarice Falcão, recebi uma enxurrada de mensagens. Algumas apoiando a ideia de que passado é passado, outras admitindo uma escorregada no interesse pela opinião do ex. Alguns retornos de contatos foram positivos, outros desastrosos, e o assunto ao invés de me acalmar, me inquietou. Fui acusada de ser temerosa, que a minha opinião era pautada pelo fato de que, ao contrário de Clarice, o meu passado não seria tão gentil comigo nos dias de hoje. E a convite dos leitores resolvi tirar a prova.
Eu sei, eu fui aquela que disse que cansou de falar do ex, mas eu tenho pouca tolerância para um desafio. Respirei 20x, escolhi os ex do grupo para os quais eu escreveria, prevendo um impacto mais positivo – claro, afinal eu sou corajosa, mas não masoquista. Fiz-me a pergunta de minha melhor amiga: estou preparada para a resposta? E para a falta dela? E estava. Realizei o primeiro contato com borboletas na barriga – pedi licença para a minha fala no Whatsapp, em respeito à atualidade dos meus ex. Não queria nenhuma esposa ou namorada atual incomodada, afinal, o meu passado não deveria atrapalhar o presente de ninguém. A pergunta era bem simples: a exemplo da carta de Gregório Duvivier, o que você, meu ex, teria para me dizer?
A primeira vítima deu uma gaitada nervosa: “caralho, que saia justa”. E eu senti na pele a vergonha e os primeiros temores indicando que a minha pauta podia de fato não ser uma boa ideia. O ex então titubeou um pouco, na linha marrenta que costuma ser o meu fraco até hoje em amores atuais. Mas logo me entregou o ouro. Disse que se pudesse escreveria para todas as protagonistas de suas histórias passadas (ainda que não fossem muitas), e dentre elas, é claro, me incluiria. Comprovou um pensamento que dividíamos, de que dentre o bom e o ruim, o tempo tinha cuidado de só manter as boas memórias, e que rancor não era um sentimento que ele alimentava.
E disse mais. Que cada pessoa que passou pela sua vida colaborou noseu crescimento pessoal e amadurecimento. Afinal, como ele disse, “namoradas vem e vão, o que fica é a pessoa que nos tornamos por causa delas” – afirmação que me encheu de orgulho. E reforçou um ponto importante – em um momento dolorido da vida dele, durante uma perda irreparável, ele teve o apoio de suas ex-namoradas. Ou seja, que todo passado dolorido era jogado fora quando o presente provava doer muito mais. Lembrei-me que o mesmo havia acontecido comigo em minha vida, quando eu tive um momento de perda irreparável. Ou seja, a empatia não era perdida, o que provava para mim que a humanidade das pessoas não pesava bagagem emocional.
A segunda vítima da minha pauta foi surpreendente, para dizer o mínimo. Ao contatá-lo, o tom foi de surpresa por parte dele: “tu não morres tão cedo!”- me respondeu. E antes que eu fizesse a pergunta da qual me propunha, ele desandou a falar. “Quase chorei lendo o teu texto de ontem. Não sei se porque senti que fazia parte de alguma maneira daquela história ou se de felicidade por ter feito a coisa certa mesmo sem saber”. Engasguei-me lendo sua mensagem. Apesar de ter vivido um amor intenso e juvenil com ele, os dias atuais me davam pouco acesso ao seu lado mais sentimental – que sinceramente, eu guardava num lugar acolchoado do coração, mas quase esquecido. Lembrei-me do quanto aquele antigo amor podia ser gentil, a despeito da máscara de turrão (sim, a vida toda eu namorei marrentos).
E ele seguiu na mensagem – ainda que eu não tivesse em nenhum momento justificado o meu contato – “Admiro profundamente a tua capacidade de conseguir expressar o que sente com as palavras. Eu ainda falei para a minha esposa (uma fofa que eu mesma aprendi a admirar), que eu queria ter 10% desta capacidade para conseguir lidar com as tarefas do meu cotidiano. Parabéns de coração por ter desenvolvido esse dom”, ele encerrou. Fiquei atônita. Antes mesmo que eu explicasse o meu propósito, ele havia me entregado tão genuinamente tudo o que eu precisava saber. E ainda que na concepção dele, não tivesse 10% da minha sensibilidade, a porcentagem me foi oferecida era suficiente para me emocionar. Trocamos de lugar sem nenhum planejamento prévio. Quando eu escrevi – ele se emocionou. Quando ele escreveu, eu me emocionei. E eu não podia pedir por melhor surpresa.
Talvez hoje, eu tenha mordido a minha língua pelo texto de ontem. Pelo menos em parte. Mas foi falando em não falar de ex, que eu ouvi o que os meus tinham para dizer. E foi bom. Muito bom. Óbvio que foi tudo dentro de um ambiente controlado, onde os sentimentos de todo mundo estavam no lugar certo, e o tempo já havia se ocupado em trazer o melhor de nós. Mas a experiência me fez pensar no legado que deixamos nas pessoas. Afinal, no fim das nossas vidas, não queremos lembrar-nos de quanto dinheiro fizemos, ou dos feitos materiais reunimos em nossa história. O importante mesmo será a contabilidade de que como fizemos as pessoas se sentirem. E torceremos pelo saldo ser positivo.
Voltando ao provérbio chinês, sem flecha lançada, e apenas com palavras proferidas, não quis perder a oportunidade que se apresentou de revisar o meu passado. E confesso que fechei o meu balanço com os ex com uma surpresa bem-vinda. Não teve marketing envolvido. Claro que fui tendenciosa na escolha dos candidatos apostando no retorno positivo para os todos envolvidos. Isso eu aprendi com Gregório Duvivier.
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