7h15, o despertador grita. “Merda! Merda! Merda”, são os 3 primeiros pensamentos do meu dia. Estou atrasada para a atividade que mais odeio na vida: acordar cedo.
Afff… Enfio qualquer roupa, boto minha rasteirinha preferida e vou trabalhar. No escritório resmungo algo que parecia “bom dia” para os colegas, e reclamo dos acontecimentos políticos. Entre o “tchau querida” e “é golpe”, eu me sinto aquela cega cruzando um tiroteio. Tantas certezas de um lado e do outro, e eu afogada em dúvidas e uma insegurança crescente. Dou uma trilhada pelas timelines das minhas redes sociais. Mais insatisfeitos, inconformados, tempestuosos odiadores de todas as bandeiras. Amizades sendo desfeitas, injurias e ofensas sendo trocadas. Agosto provando ser mais longo que o resto do ano. Que semana para morar nas montanhas do Tibet.
Agonizo lendo um contrato de 12 páginas de letras miúdas de um cliente onde assino que tudo sempre será minha culpa, afinal o cliente tem sempre a razão. Ainda que por vezes o cliente seja um idiota. Saio para uma reunião. Esqueço o guarda-chuva. No lugar em que estaciono não há como sair do carro sem encharcar os pés; então os encharco. No retorno da reunião, a sola da minha rasteirinha cai. Aquela sabe, que antes do dia de hoje, era a minha preferida.
Vou pra casa, e troco de roupa. No caminho do almoço reclamo dos buracos da Rua A, de que é impossível estacionar na Rua B, e de que como eu odeio os guardas de trânsito em qualquer dia da semana, mais ainda em dias de chuva. Bato forte o carro no chão passando por uma cratera no asfalto. “Garanto que no mês da eleição municipal esses filhos da puta vão fechar cada buraquinho deste queijo suíço que eles chamam de avenida.” Esbravejo para mim mesma. O motorista de trás buzina porque na concepção dele 60km/h é muito devagar para dirigir em uma rua lotada de faixas de pedestres. Mostro-lhe o dedo do meio pela janela, contrariando a minha boa educação da maioria dos dias. Finalmente acho uma vaga. Saio do carro. Encharco os pés de novo. “Merda! Merda! Merda!”.
Sigo pela calçada com os pés molhados, acelerada no caminho até o restaurante, tentando evitar a chuva. No meio da quadra um senhor de uns 70 anos emparelha ao meu lado perguntando “quer uma carona?”, e coloca seu guarda-chuva sobre a minha cabeça. “Claro”, respondo meio sem graça “como negar uma gentileza tão rara nos dias de hoje, não é?”, concluo com um sorriso tímido. Ele sorri, enrugando os olhos cansados, “É verdade, menina, acho mesmo que está faltando amor neste mundo”. E assim, quase que sem querer eu desacelero completamente, e deixo aquele senhor me conduzir com seus passos lentos pela calçada embaixo da chuva. Ao atravessar a rua ele toca de leve meu braço e alerta “cuidado com o carro, menina” com ares de avô querido. Meu coração aquece.
Na porta do restaurante me despeço e agradeço-o sorrindo. Não pela carona, mal sabia ele. Mas porque com aquela carona, mesmo sem saber, ele acabava de mudar completamente a sintonia do meu dia. E em tempos de ódio transitando livremente, seja por política ou pelos perrengues do cotidiano, que bom e transformador é pegar uma carona nestas gentilezas tão raras que passam por nós.
“The Blue Umbrella”
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Lindo texto! Que todos tenhamos gestos de gentileza para amenizar as agruras da vida!