Na correria do dia-a-dia, o urgente não vem deixando tempo para o importante! Essa constatação, carregada de estranha obviedade, nos obriga quase a tratar como uma circunstância paralela e eventual aquela que deve ser considerada a marca humana por excelência: a capacidade de reflexão e consciência. Aliás, em alguns momentos, as pessoas usam até de uma advertência (quando querem afirmar que algo não vai bem ou está errado): se você parar para pensar…
Por que parar para pensar? Será tão difícil pensar enquanto se continua fazendo outras coisas, ou, melhor ainda, seria possível fazer sem pensar e, num determinado momento, ter de parar? Ora, pensar é uma atitude contínua, e não um evento episódico! Não é preciso parar, e nem se deve fazê-lo, sob pena de romper com nossa liberdade consciente. Isso, de uma certa forma, retoma uma séria brincadeira feita pelo escritor francês Anatole France (Nobel de Literatura em 1921, um mestre da ironia e do ceticismo) quando dizia que “o pensamento é uma doença peculiar de certos indivíduos e que, a propagar-se, em breve acabaria com a espécie”.
Talvez pensar mais não levasse necessariamente ao “término da espécie”, mas, com muita probabilidade, dificultaria a presença daqueles no mundo dos negócios e da comunicação que só entendem e tratam as pessoas como consumidores vorazes e insanos. Talvez um pensar mais nos levaria a gritar que basta de tantos imperativos! Compre! Olhe! Veja! Faça! Leia! Sinta! E a vontade própria e o desejo sem contornos? E (ainda lembras?) a liberdade de decidir, escolher, optar, aderir? Será um basta do corpo e da mente que já não mais aguentam tantas medicinas, tantas dietas compulsórias, tantas ordens da moda e admoestações da mídia; corpo e mente que carecem, cada dia mais, de horas de sono complementares, horas de lazer suplementares e horas de sossego regulamentares, quase esgotados na capacidade de persistir, combater e evitar o amortecimento dos sentidos e dos sonhos pessoais e sinceros.
Essa demora em pensar mais, esse retardamento da reflexão como uma atitude continuada e deliberada, vem produzindo um fenômeno quase coletivo: mais e mais pessoas querendo desistir, largar tudo, com vontade imensa de sumir, na ânsia de mudar de vida, transformar-se, livrando-se das pequenas situações que torturam, amarguram, esvaem. Vêm à tona impulsos de romper as amarras da civilidade e partir, célere, em direção ao incerto, ao sedutor repouso oferecido pela irracionalidade e pela inconsequência. Desejo grandão de experimentar o famoso “primeiro a gente enlouquece e, depois, vê como é que fica”… Cansaço imenso de um grande sertão com diminutas veredas?
Quando o inglês (nascido na Índia…) George Orwell, no final dos anos 40 do século passado, publicou a obra 1984 – uma assustadora utopia negativa quanto ao futuro das sociedades, nas quais não haveria liberdade, individualidade e privacidade – despontou no Ocidente um disfarçado e ansiado consenso (apoiado em uma simulada expectativa): tudo aquilo que ele colocara no livro jamais poderia acontecer e nem se relacionava com o porvir do mundo capitalista. No entanto, a macabra história sobre uma sociedade totalitária vai além de fatos abstratos e atinge hoje, em cheio, o terreno da mercadolatria; Orwell disse que, numa sociedade como a que prenunciou, “o crime de pensar não implica a morte; o crime de pensar é a própria morte”.
Pouco importa, dado que ser humano é ser capaz de dizer não ao que parece não ter alternativa. Apesar dos constrangimentos e da tentativa de sequestro da nossa subjetividade, pensar não é, de fato, crime e, por isso, claro, não se deve parar…
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