Por Natali Marques – via Obvious
“…o tempo está-se a acabar, a podridão alastra, as doenças encontram as portas abertas, a água esgota-se, a comida tornou-se veneno”, e é necessário que identifiquemos, com urgência, as causas destes problemas gerados pela própria humanidade, e consigamos superá-los. A epidemia de cegueira narrada trata-se do horror vivenciado mas não visto; o olhar é a capacidade de ver e de reparar os males da convivência humana nas sociedades: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara” (Ensaio sobre a Cegueira)
Resolvi iniciar o artigo, com uma notícia que me deixou profundamente desesperançosa em relação a qual caminho segue a humanidade. Na Nigéria, neste sábado (10), uma menina de dez anos, sim, apenas, dez anos, foi usada como bomba, em um mercado, matando 20 pessoas! Ainda não houve a reivindicação do atentado, mas sabe-se que militantes do grupo terrorista Boko Haram têm usado frequentemente mulheres e meninas como bombas humanas na guerra para instauração de um Estado islâmico. Essa, e outras notícias, infelizmente, se tornaram diárias há anos.
Em 1995, José Saramago publicou o livro Ensaio sobre a Cegueira. As personagens são acometidas pela chamada “cegueira branca”. Saramago, faz uso desta cegueira como metáfora, uma analogia do quanto as pessoas vão se tornando cegas no mundo contemporâneo, a exemplo como ocorreu com a primeira personagem do livro, que cegou quando conduzia o seu automóvel: ‘de repente a realidade tornou-se indiferenciada à sua volta’.
A seguir, há na narrativa, a história do “cego” que chegou ao oftalmologista em busca de uma solução para o seu problema, o médico considerou o caso urgente e passou-o à frente dos outros pacientes que aguardavam pela consulta. Porém, a mãe de um menino que aguardava sua vez não se sensibilizou diante da urgência do paciente inesperado e “…protestou que o direito é o direito, e que ela estava em primeiro lugar, e à espera a mais de uma hora.”
Assim, o interesse próprio, a impaciência e insensibilidade dessa paciente diante de alguém com um problema considerado mais urgente foi um primeiro apontamento do autor desta cegueira ocorrer em função do distanciamento existente entre os indivíduos nas sociedades modernas. Um distanciamento que leva cada um a observar apenas os seus próprios interesses, fundados através do que for conveniente a si mesmo. Assim, Saramago não trata apenas da cegueira física, mas da cegueira moral dentro da qual a sociedade se encontra: “Por que cegamos, não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, cegos que vêem, cegos que vendo, não vêem” (José Saramago).
Cegueira Moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida, lançado em 2013, é um livro composto por cinco diálogos de Zygmunt Bauman, renomado sociólogo, com Leonidas Donskis, filósofo, cientista político, que giram em torno da questão do que o mal não ser apenas restrito somente às guerras ou às circunstâncias nas quais pessoas atuam sob condições de coerção extrema. Ele também se revela com frequência na insensibilidade diária diante do sofrimento do outro, na incapacidade de compreendê-lo e no desejo de controlar a privacidade alheia. Na banalização da violência cotidianamente – ” A violência e os desastres se tornaram tão constantes e são de tal modo naturalizados que estamos calejados de tanta desumanidade” (Cegueira Moral). Como falei inicialmente, na triste e desumana notícia da menina-bomba, que se torna cada dia mais constante.
Bauman, trouxe os termos “relações líquidas” e “modernidade líquida” para tentar nomear esta maneira que temos hoje de nos vincular, permanecendo na realidade fechados em nossa ilha narcísica (assunto que tratei em meu primeiro artigo – “…A necessidade de construirmos uma sociedade menos individualista e egoísta, que cada vez mais nos tornamos, e sim que as redes sociais possam ter, principalmente, uma função de contribuição à sociedade!).Onde a realidade virtual, essencialmente líquida, se sobrepõe constantemente à realidade real, sólida e duradoura.
A exemplo, viu-se no ano passado, nas redes sociais o “jihadista hipster”, jovem que se tornou o símbolo do poder de sedução do terror entre os jovens muçulmanos. Islam Yaken, que antes usava as redes sociais para exibir os músculos ganhos na academia, passou a dedicar seu perfil no Twitter a glorificação do califado de Abu Bakr Al-Baghdadi, o terrorista internacionalmente procurado que lidera o Estado Islâmico, e para postar fotos sangrentas, incluindo uma cabeça em uma cesta. Além disso, diversas notícias demonstram que há aproximadamente mais de 12 mil estrangeiros, de 81 países, que foram lutar na Síria nos últimos três anos, onde cerca de 3.000 teriam como origem países ocidentais.
Por fim, Bauman e Donskis discutem também o quanto líderes como Nelson Mandela, e Mahatma Gandhi representaram uma política realmente voltada para as questões da humanidade, possibilitando mudanças nas sociedades, relacionadas com seus valores morais. O mundo carece, demasiadamente, de líderes assim.
Fica a reflexão, do por que estes jovens, e tantos outras pessoas se identificam com o terror, com a violência? E novamente aponto, qual a importância das redes sociais nisso? E qual a responsabilidade de cada um? Afinal, a página do deputado Bolsonaro, denunciado pelo Ministério Público por incitação ao estupro, tem mais de 1 milhão de seguidores, enquanto uma outra página, chamada Algar gente servindo gente, para troca de conhecimento sobre inovação, empreendedorismo social, educação, etc, tem por volta de 27 mil seguidores. Ou senão de fato estamos caminhando para o “olho por olho, e o mundo acabará cego” (Gandhi), conforme narrado ao longo do livro Ensaio sobre a Cegueira. Por isso, sejamos a mudança que queremos VER no mundo.
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