Por Veruska Queiroz – via Obvious
O “Não” é tão natural quanto o sim ou quanto o talvez e mais uma infinidades de palavras que usamos para expressar mais concretamente nossas vontades. Mas, na prática, o “não” é sentido como quase como uma ofensa, como se o outro não tivesse o direito de dizê-lo. E porque não? Claro que sempre se faz necessário levar em conta a educação no tange à polidez e à maneira de dizer, mas a educação deveria ser regra básica de civilidade em tudo na vida. O “não” é apenas um direito do outro de não querer algo. Por delicadeza, acompanhado de “muito obrigado(a)”, deve sempre participar da vida de todos, pois é – ou deveria ser – algo natural da vida de todos.
O “não”, assim como o “sim” é uma escolha. Para dizermos “não”, naturalmente algo ficará para trás, como em toda escolha. Mas sendo uma escolha, o “não” traz para cada um a responsabilidade por sua vida, por seus quereres e não quereres e, principalmente, diz ao mundo que a vida que pertence aquele ser humano tem alguém no controle, ele mesmo. O “não” é tão natural quanto o sim. É um direito que todos temos de nos expressarmos para dizermos que não queremos algo, que não estamos satisfeitos com algo, que não vamos fazer algo, que não. E ponto. Mas, muitas vezes ele é sentido como uma ofensa, como uma recusa levada para o lado pessoal daquele que o escuta e muda a configuração do que é e deveria ser normal na vida de todos.
Dentro deste contexto, o “não” pode até desestabilizar momentaneamente, alterar a ordem, fazer o psiquismo trabalhar em cima da elaboração da frustração para criar novas possíveis saídas para o temporário desequilíbrio das certezas – e incertezas. O “não” trabalha com nossas limitações, mas também – e sobretudo – trabalha com nossas capacidades de superação, renovação, inovação e recriação. O “não” deveria ser visto positivamente – ou pelo menos, não negativamente. O “não” pode nos trazer um desconforto momentâneo e temporário. Mas o “não” é, exatamente por isso, um ponto de viragem, mas é também uma instância de limites. Para quem ouve é a hora de reinventar-se. Para quem diz pode significar necessidade – ou mesmo uma imposição saudável – de delimitação de espaços ou até libertação.
Seja como for, o “não” – desde que não signifique autoritarismo, narcisismo e um meio de exercer o mau poder, a humilhação e o controle que retiram a liberdade de uma pessoa e que desapropriam o ser de si mesmo – retira para recolocar depois, o que grita necessidade de mudanças, tanto para quem o diz, quanto para quem o ouve. Dizer “não” ao outro é, muitas vezes, dizer sim a si mesmo. É preciso coragem, maturidade e muita responsabilidade, mas quem já descobriu-se, quem já travou todas as suas lutas – internas principalmente – venceu todas elas e conquistou o que de maior um ser humano pode conquistar e ter, que é pertencer-se a si mesmo, não tem medo do “não”. Nem de dizer, nem de ouvir e o entende como algo natural da vida, como a própria vida com tudo o que ela nos traz.
O “não positivo”, por sua natureza, coloca limites necessários para que as relações respirem e para que cada um possa viver sua individualidade sem ser invadido, violentado. O “não” determina espaços. O “não” é um balizador de éticas e caráter. O “não” é, assim como o “sim”, um representante do desejo. O “não” impede que excessos sejam cometidos, impede que os privilégios sejam vividos como direitos por quem não tem ética, bom senso e não respeita nada, ninguém e nem a si mesmo e mostra a esses – nem sempre de uma forma suave – que os direitos são a colheita de quem plantou deveres como eles devem ser plantados, ou seja, com ética, respeito, dignidade, hombridade e honradez.
É preciso dizer “não”. Dizer não ao que nos incomoda, dizer não ao que não queremos, dizer não ao que nos sufoca, dizer não ao que nos invade sem nossa permissão, dizer não ao que nos violenta como seres humanos, dizer não ao que não concordamos e temos, muitas vezes, de dizer sim para nos proteger, para continuarmos a “fazer parte do sistema”. Qual sistema? O sistema que retira nossa principal condição de ser humano que é sermos livres? NÃO, muito obrigado(a). É preciso dizer não quando se quer dizer não, pois o não é uma escolha e um direito como tudo na vida e é preciso também saber lidar com as consequências, tomando para si a responsabilidade pelos caminhos que surgirão a partir daí, pois é preciso caminhar. Mas, para isso é preciso dizer não tanto quanto dizer sim para escolher qual caminho seguir.
O “não” modifica e vivifica. O “não” mexe com as vísceras, pode mexer com o orgulho de muitos, mas promove a saúde do corpo inteiro – quando o psiquismo também é saudável, pois sabemos que o “não”, para algumas pessoas, não muda nada, pois o psiquismo delas funciona diferente. Quando o “não” vivido por um psiquismo saudável mexe, balança e sacode todo o nosso ser, ele é um ponto de construção. É neste momento que ele se converte em sim. O sim que nos faz donos de nossos desejos, donos de nossa estória, donos de nossas escolhas, donos de nossas vidas.
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sim, sim, vou dizer Não, sei não...