Por Leandro Karnal
Existe uma proposta de um professor chamado Francis Wolff, num livro chamado Civilização e Barbárie, em que ele faz a seguinte pergunta: “Quem é o bárbaro atual?”. O livro organizado pelo professor Adauto Novaes, chama-se Civilização e Barbárie, e um dos primeiro artigos pergunta “Quem é o bárbaro?”. A tendência grega tradicional era dizer “Quem é bárbaro é quem não fala grego, quem está fora da minha cultura. O latino: É bárbaro quem está fora da cultura romana”. Pro chinês é bárbaro todo mundo que não seja chinês. Bem, o bárbaro era visto como não civilizado. A proposta deste texto é pensar que a barbárie floresceu, por exemplo, no exemplo citado do nazismo, no país mais culto da Europa que era a Alemanha. No país que lia Kant em alemão. Tenta imaginar o que é isso: Ler Kant em alemão. O país que lia Kant em alemão, produzido Bach e Beethoven. Bom, o país que produziu tanta cultura formal incendiou uma das crenças mais bárbaras do século 20 e um modelo de barbárie. O que proponho de novo neste texto?
É bárbaro todo aquele que propõe, na sua teoria, a exclusão do outro. É civilizado, seja um índio ianomâmi, ou um alemão, todo aquele que propõe a aceitação da existência do outro. Então ele foge ao termo Civilização e Barbárie tradicional, oferece uma saída para esse caminho e vai nos dizer exatamente isso. Acho que o fundamentalista que prega a eliminação do outro deve ser tratado como racista, ou seja, como uma patologia ‘educar’ e, segundo caso: não sendo possível a educação, deve ser encarcerado. Por quê? Porque não é possível conviver com pessoas que quer lhe excluir da humanidade. Não é possível.
A não aceitação das diferenças é problema tanto patológico como baixa inteligência e falta de caráter. Ou uma combinação das três coisas. O fundamentalismo não precisa ser ‘falta de caráter’. Eu ainda acho que se pode educar para a Tolerância Ativa, princípio que eu defendi quando elaborei os cinco volumes para o ensino religioso em São Paulo, que é o ensino leigo, não baseado em religião. Nós propusemos nesses volumes o chamado ‘tolerância ativa’. O que é tolerância ativa? Não é que eu tolero que você seja presbiteriano eu, católico? Não é que eu tolero. Eu acho fundamental que exista essa diversidade. E não existiria mundo e o mundo seria um lugar terrível se você não fosse presbiteriano e eu católico. Isso é tolerância ativa. Não é que eu diga assim: “Até que eu tolero um gay, desde que não chegue perto”. É fundamental que existam gays. É fundamental pessoas de diversas etnias, é fundamental que existam diversas opiniões, inclusive contrárias à minha.
Essas divergências tornam o mundo um lugar horrível. Quem aceita isso é civilizado. Quem não aceita isso é bárbaro. Pode falar dez línguas, continuará sendo um bárbaro. Ou seja, eu compartilho dessa ideia de que o fundamentalista é violento, tal como o racista, tal como o pedófilo. Tenho que ser reeducado, talvez com uma educação formal, eletrochoque, prisão, alguma coisa que funcione e, não funcionando, ele ter de ser isolado da sociedade. Ou talvez se pudesse escolher uma ilha para onde mandassem todos esses tipos de pessoas que querem excluir os outros. Só os violentos. Porque se não for a violência, se apenas disser: na minha concepção você vai para o inferno, isso não me afeta. Isso não me afeta… isso é apenas um problema de debate. Na verdade, o limite da liberdade é o limite de eu poder me expressar e a questão da dignidade do corpo, em particular.
Agora, se alguém acha que eu vou pro inferno por algum motivo, eu também reconheço o direto dessa pessoa também me mandar pro inferno. Como se atribui a Voltaire, mas também não é dele, curiosamente, “Eu não concordo com uma palavra do que me dizes, mas defenderei à morte o direito de dizeres”. Não é dele, mas é uma frase que ilustra bem o pensamento de Voltaire: tolerância. É fácil ser tolerante com a ideia parecida com a minha. O difícil é ser tolerante com a ideia oposta à minha. É o choque entre pólos que não conseguem entender que o outro possa estar correto. E aí as próprias religiões dão a solução: o primeiro princípio é uma regra áurea, comum a quase todas as religiões, não fazer ao outro o que não quer que seja feito a si. Essa regra áurea que Norman Rockwell, que fez um pôster que está na ONU, é a norma básica: colocar-se no lugar do outro e, segundo os budistas e cristãos, é compaixão. O que significa isso? Compassione em latim: eu sinto junto. E sentindo junto eu penso o que perturba o outro. Esse é um exercício fascinante. A compaixão a todo o momento.
Porque como lembrou Sartre, e de alguma o Papa Paulo XVI, que era uma pessoa hamletiana, melancólica, né? Como lembrou Sartre: “o inferno são os outros” e, nós somos o inferno dos outros. Só quem vive feliz é Robinson Crusoé até que Sexta Feira chegue à sua ilha. Viver em sociedade é uma negociação permanente e essa negociação é dura. É árdua em vários sentidos.
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