Miguel e Emma têm um ritual bem diferente de muitos casais que já conheci. Vez ou outra, os dois se trancam em casa e aí, você já deve imaginar o que acontece. Nada. Isso mesmo, nadinha. Eles descobriram que ambos poderiam ficar sozinhos, inclusive quando juntos. Sem pavor, sem estranheza, sem achar que o outro desamou. Apenas um tempo que é nosso dentro do nosso tempo a dois.
Emma atravessa a casa de meias e sua camisetona preferida dos Rolling Stones. Somente o som da chaleira dança pela casa enquanto Miguel ainda dorme. Se espreguiça demoradamente e depois rouba um biscoito de si mesma. Ela se afunda no sofá e, agarrada com um livro, recebe um beijo na testa. Ele acordou.
Ao fundo, faz seus milhares de barulhos de homem, mas logo também se aquieta. Miguel adora jogar. Antes de se enfiar entre milhares de tiros fictícios, ele pega um copo gigante de gelo com coca e faz um sanduiche que aprendeu com a mãe. Quando bate saudade, Emma entra discretamente e lhe beija os ombros. Ela já descobriu que há jogos que não se pode pausar.
Para quem entende que casais precisam se divertir sempre juntos e acha um absurdo duas pessoas que se amam ocuparem o mesmo espaço sem necessariamente estarem focadas uma na outra, isso pode soar bem estranho. Mas quando conheci os dois isso me fez muito sentido. Eu só podia pensar em como queria um dia ter um amor assim. Eu jamais me sentiria menos amado.
Sem culpa, sem angústia, eles simplesmente descobriram que ficavam bem assim também às vezes. Jamais confunda isso com abandono, com solidão acompanhada, com casais que se apagam um pro outro, que começam a se desviar pelos cômodos.
O maior prazer deles era se encontrar, como desconhecidos que se conquistam numa festa que é só deles e depois seguirem. O amor deles cresceu tanto que perdeu a pressa, tornou-se maduro, perene como um lago antigo. Um dia eu também quero encontrar alguém com quem possa ficar feliz sozinho.
Diego Engenho Novo
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