O amor que tece a lua

Eu prorroguei prazos e me pendurei no badalar do sino do tempo para ver se você ficava um pouco mais. Como aquelas viúvas que não ousam tocar nos pertences pessoais do falecido, não tirei nada do lugar de onde você colocou. A toalha que há pouco estava úmida, já evaporou a água que enxugou do seu corpo. Mas eu não tiro ela do banheiro para lavar, e fico brincando de faz de conta. Faz-de-conta que você acabou de tomar banho, faz-de-conta que você foi comprar o vinho que esqueceu e volta em alguns minutos, faz-de-conta. Eu que estava tão habituada aos meus lugares, às minhas marcações de território, me vi completamente perdida com os novos atalhos de espaço que você criou. Se você não tivesse vindo bagunçar meu tapete, se não tivesse vindo mexer nos meus talheres, se não tivesse vindo cantar La vie en rose pra mim…mas você veio. Moço, você ainda me vem.

Não me atrevo a esticar os lençóis, nem guardar a garrafa de água na geladeira. Bagunceiro, bagunceiro, bagunceiro! Não quero guardar nada. Baguncei-me, baguncei-me, baguncei-me. É com amor que ainda vejo suas digitais no apartamento. Caí na linha tênue entre o sagrado e o profano. Não sei o que será das coisas e de mim quando tudo retornar ao original, e, então, eu adio. Amanhã é sempre melhor. Depois de amanhã, talvez. As coisas voltam para o mesmo lugar antes de você ou vão para um lugar novo entre você e eu? Como se eu encarasse mais uma esfinge, me assombro sem saber o que será do depois. Moço, você mal sabe, mas eu sei – sei bem – que para uma pessoa com mania de organização, deixar-se desordenar – a casa e a vida – é um ato de amor.

Você me lê fácil apesar de eu estar escrita em braile. É questão de tato. Olfato. Paladar. Eu queria esticar os relógios como Salvador Dalí, mas Chronos rei não perdoa os mortais, não temos direito a entortar relógio algum. Moço, meu compasso está descompassado, lá fora está tudo igual, aqui dentro ainda são 14:43h. Lá fora tudo igual, aqui dentro ainda é lua cheia, lua azul. Hoje teci manhãs para te horizontalizar, adiei para amanhã ou para depois o enigma da ordem das coisas. (Mas a verdade é que já nem sei mais)

Maria Gabriela Verediano

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