“As mentiras são como os muros: elas poderão de início até nos proteger, mas inevitavelmente também nos isolarão, inclusive de nós mesmos, a ponto de não mais nos reconhecermos.”
Vivemos num mundo de aparências, no qual tentamos vender imagens, com o propósito de passarmos a impressão de que oferecemos tudo aquilo de que o outro necessita, seja no mercado de trabalho, na vida amorosa, nos encontros entre amigos, familiares, seja nas redes sociais. Vestimos roupas e máscaras, usamos este ou aquele linguajar, elogiamos ou denegrimos, somos favoráveis ou opositores, de acordo com a ocasião, de acordo com os interesses e intenções previamente planejados, para que mantenhamos nosso emprego, nosso casamento, nossas amizades, ou nosso twitter politicamente correto. Nesse compasso, muitas vezes vamos tentando agradar a todo mundo – vã utopia -, a despeito do que somos, desejamos, queremos ou pensamos. Torna-se cada vez mais difícil, aliás, sermos nós mesmos, uma vez que quase ninguém tem a capacidade de tolerar pensamentos diferentes. Somos agredidos e ridicularizados, caso contrariemos os pontos de vista alheios – pois é, o bullying permanece pela vida adulta.
Hoje, estamos cada vez mais expostos, por conta do mundo virtual, e aquele que ousa ser ele mesmo muitas vezes paga um preço muito alto, que lhe custa julgamentos avassaladores por parte da sociedade. Reerguer-se, nesses casos, é doloroso e impossível para alguns, o que desencoraja a maioria a lançar-se nessa batalha corajosa e vital de autoafirmação e de posicionamento transparente frente ao mundo. É impossível, entretanto, viver uma personagem por muito tempo, sem sucumbir ao peso de tudo o que foi reprimido nesse caminho. A verdade pulsa, clama por se revelar, pois dela depende nossa sobrevivência, nossa saúde, nossa qualidade de vida. Quanto mais sufocamos aqui dentro o que lateja e luta para sair, mais adoecemos, mais nos machucamos e menos nos entregamos aos encontros verdadeiros – aqueles que limpam nossa alma e clareiam nossa semeadura -, afastando-nos de quem nos aceita no que – e pelo que – somos.
Precisamos primeiramente ser sinceros conosco, construindo e elaborando nossas crenças e pontos de vista, de forma que nos fortaleçam e nos tornem mais gente, mais humanos, capazes de atingirmos positivamente a vida dos outros com nossas verdades. Porque, caso nos posicionemos de maneira arrogante, visando apenas a propósitos egoístas, estaremos centrados em afirmações unidirecionais, vazias de sentido. Atravessar nossa lida de forma solitária poderá até nos encher a conta bancária, mas não nos enriquecerá de sentidos, da materialidade sustentadora de nossa essência – e nos perderemos junto com ela. Temos que ser em conjunto, somando, dividindo e compartilhando, pois assim cresceremos, pois assim seremos a lembrança estampada nos sorrisos de quem amamos em vida, quando nos formos.
Imprescindível, para tanto, ouvir o que o outro tem a dizer, por mais que discordemos daquilo, pois mudar de opinião refletidamente também é sinal de inteligência, ou mesmo questão de sobrevivência. É preciso que saibamos nos libertar de convicções que machucam e ferem a dignidade alheia, para que o raio de nossas ações não se torne ensurdecedor, a ponto de ficarmos cegos frente aos sentimentos que não são nossos e perdidos, sozinhos, num caminhar que nos subtrai, nos endurece e nos distancia de tudo o que a vida tem a nos oferecer. Como se diz, afinal, ninguém é uma ilha.
Uma coisa é certa: a sinceridade absoluta não existe, pois ela acabaria nos sendo tão nociva quanto a falsidade. Devemos, portanto, ser verdadeiros em relação àquilo que nos impele a lutar pelo que queremos de forma ética, que nos sustenta durante os naufrágios emocionais, que nos torna capazes de recomeçar, de acreditar, de apoiar, que nos força a enfrentar corajosamente as injustiças ao nosso redor e os fantasmas dentro de nós. Somente a sinceridade nos deixa prontos para amar e ser amados, para compartilhamos nossas vidas e experenciarmos o prazer e a felicidade a que todos temos direito. Porque as mentiras são como os muros: elas poderão de início até nos proteger, mas inevitavelmente também nos isolarão, inclusive de nós mesmos, a ponto de não mais nos reconhecermos. Infelizmente, afastar-se de si mesmo implica afastar-se de todas as chances de ser e de fazer alguém feliz – e isso ninguém deveria merecer em vida.
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