Vem, vamos sair daqui. Vamos para longe da fumaça e do barulho, das conversas magras e dos olhos gordos. Vamos lá fora apanhar vento. Quem sabe caia uma estrela agora e nos conceda um pedido louco?
Eu peço uma sacola de dinheiro, você pede outra. Juntamos as duas e construímos uma casa em outro lugar, o pé direito alto, as janelas grandes, um quintal de jabuticabas e pitangas, cachorros e gatos, tartarugas e coelhos e um milhão de tatus-bola sob as pedras no caminho de nossas crianças voando baixo como passarinhos descarados. Na frente, uma porta sempre aberta a quem vier em paz. Vem, vamos para longe daqui.
Diz que tem um trem por esses lados, aqui bem perto, locomotiva de vagões antigos que passa lambendo as casas na beira da estrada de ferro, encosta bafejando na estação de pilares barrocos, pisos de tábua, velhos relógios de teto marcando o tempo em números romanos, e leva todo mundo embora.
Vamos juntos de trem até o fim da linha. Lá, do outro lado, há de existir uma cidadela mansa, varrida pela brisa, beijada pelo sol, abraçada pela noite. Lá onde a gente vive para muito além dos cem anos, as crianças brincam na rua até tarde, as comadres se dão e se adoram nas calçadas à tardinha em cadeiras de fórmica, dando jeito no mundo e em sua gente.
Passou da hora. Vamos à forra, ao largo, em frente, a fundo, a sério. Vamos embora daqui, vamos para lá, tapar o sol com a peneira das árvores, pensar na vida sob as copas unidas de um pomarzinho. Nossos honestos pés de fruta nos guardarão de mãos dadas, conspirando para nosso remanso sua sombra franca atravessada por diamantes de sol.
Montados em nossa esperança, seguiremos até a terra que é nossa, com gente de todos os cantos, credos, cores e uma só disposição para o trabalho.
E todos os dias, depois da lida, voltaremos para casa pedalando nossas bicicletas, enquanto moços de noventa anos pulam corda com os mais jovens, casais de todos os sexos caminham de mãos dadas, cachorros conduzem o passeio de seus donos, guardas de trânsito apitam gentilezas, bandos alegres brincam na rua, desenham com giz na calçada, jogam bola e conversa fora nas praças.
Vamos para lá. Façamos as malas que o trem está apitando. Vamos que há lugar para nós e os nossos. Quando chegarmos, centenas de árvores racharão o concreto das calçadas em festa, indicando nosso caminho para a labuta. Nossas desavenças todas vão estourar em milhares de pêssegos carnudos, saborosos, recendendo no ar um perfume de fruta lasciva, assanhada, inundando nossas angústias de um caldo espesso e doce, enchendo nossos corações de paz, povoando o mundo de amor.
Assim as portas todas se abrirão ao refúgio inocente dos que lutam pela vida. E os que brigam e subjugam e matam e aprisionam por dinheiro, por orgulho ou por maldade morrerão de vergonha, cairão sobre os joelhos, os rostos em chamas, vencidos pela força de um amor que é o único caminho para longe da barbárie. Vamos embora dessa guerra. Salvemo-nos uns aos outros. Salve-se quem puder amar.
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