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Desiluda-se e desespere-se

Por Natália J. Vilas Boas

Não espere nada desse texto. Não espere iluminação, não espere o alívio de todos os seus problemas, não espere a cura dos problemas do mundo, não espere a solução mágica para a vida, não espere nada. Apenas leia, calma e atentamente.

Você tem o hábito de esperar muitas coisas. De si e do mundo. Você tem o hábito de aguardar no amanhã a felicidade, o hábito de esperar para ser feliz depois. Você tem o hábito de achar que agora, está incompleto, não íntegro, mas que, em algum momento, no futuro, essa plenitude e integridade chegará. Se talvez você cavucar mais aqui ou mais ali. Talvez quando se formar. Talvez quando tiver tal emprego. Talvez quando tiver um namorado, ou namorada. Talvez quando se acertar com seu passado. Talvez quando tiver mais dinheiro. Talvez quando for famoso. Talvez quando… Não. Você nunca vai chegar lá. Sabe porque? Porque lá não existe. Lá é uma projeção da sua mente. Sua mente está criando o que você está vivendo e sentindo, e no momento, ela está te falando que está tudo muito ruim, que sua vida é horrível, que as coisas só dão errado com você e que o mundo é cheio de coisas pavorosas, de maldade.

Ela está te falando que é impossível ficar bem, está te falando que você é uma farsa, que você não está inteiro, que você é impuro, que você deveria fazer muito mais coisas. Sua mente está te falando que você sofreu muito e vai sofrer muito mais, está te falando que você tem muitos problemas pra resolver, que a existência é um fardo e que é muito difícil ser quem você é. Sabe porque? Porque ela espera você mesmo. Se des-espere, não espere mais o encontro consigo, não espere.

Des-esperar é um conceito que eu acabei de inventar para dizer que você não precisa esperar ser mais do que é, ter mais do que tem. Que tudo está a disposição, e que sim, você já se encontrou. Você é pleno, íntegro, belo, sábio, iluminado. Sim você é MESMO todas essas coisas. Não há nada mais para ser além de todas essas coisas. O universo e você são apenas um. Não existe dentro nem fora. Existem sim ciclos, altos e baixos, mas você permanece, observando, atento, sendo em plenitude. Não espere pra ser algo mais.

Realize: você já é. Tudo que há para ser você já é. Sabe porque? Porque você não é as coisas que você tem, você não é as relações que você cultiva, você não é aquilo que você estuda ou aquilo em que trabalha. Você não é um amontoado de palavras. Você não é só um pedaço de carne que pensa ambulante, pra lá e pra cá. Você é a magnificência da existência inteira, unificada, íntegra. Você não é seus pensamentos, suas emoções. É também, mas não APENAS essas coisas.

Observe: você já passou por muitas alegrias, certo? Teve muitos prazeres, e certamente também já passou por muitas dores, não é mesmo? No entanto, todas essas coisas se foram. Tudo isso acabou. Não permanece, não dura. Seu corpo também se modificou, não é mesmo? E mesmo que você sofra um acidente e fique mutilado, você continuara sendo, certo? Sua personalidade… talvez você acredite ser sua personalidade. Mas a observe bem o quanto ela também já se modificou ao longo da sua vida. Observe quantas coisas você já gostou, quantas coisas já tomou pra si, por quantas fases já passou. E mesmo assim, você permanece sendo. Certo? É porque você é.

Mesmo quando seu corpo fenecer, você continuará sendo. Mesmo se não tiver mais nada, você vai continuar existindo. Porque o que você realmente é, é a existência inteira. Sim. Você é a existência. Você é o sagrado, o divino, o indivisível, o unificado. Você sabe que dentro de você parecem morar todas as coisas. Você sabe que dentro de si mora algo que parece infinito, todas as faces do espectro humano, todas as faces da natureza. Você sabe que dentro de você existe o pulsar do universo, você sabe que dentro de você existem mais coisas do que a sua própria mente pode conceber. Se a mente não concebe, mas você sabe, então apenas se entregue. O que não tem remédio, remediado está.

De uma chance pra sua mente se tranquilizar, de uma chance para parar de tentar resolver tudo: confie apenas por um segundo. Você não tem confiado muito, não é mesmo? Acredita que talvez se fizer mais disso, se for mais assim, se for menos assado, talvez ai então esteja bem consigo mesmo. Talvez quando mudar sua aparência de alguma forma, quando adquirir tal coisa, conquistar tal sonho, talvez quando voltar a se exercitar, talvez quando parar com os maus hábitos, melhorar seus defeitos. Tudo bem querer seu auto aprimoramento, mas não acredite que será mais do que já é nesse exato momento. Não espere para se encontrar somente aí.

Não se espere. Não espere tanto de você. Deixe sua mente livre para imaginar, para mergulhar, para contemplar, para conhecer, para aprender, para ser tranquila e relaxada. Sabe porque? Porque você não precisa de mais nada. A felicidade não vai vir de fora… a euforia pode vir de fora, o prazer pode vir de fora, a excitação pode vir de fora, mas você sabe e conhece bem sua vida pra saber que esses picos não duram nada e que essas pequenas fagulhas de realização dos sentidos são tão pequenas que as vezes dá a impressão que você não é feliz nunca. Sabe porque? Porque prazer não é plenitude. Plenitude é duradoura. Plenitude é tranquila. Plenitude é calmaria. E você é isso, só não descobriu ainda porque fica se esperando, esperando que o grande encontro consigo mesmo venha de algum outro lugar que não seja de dentro de você. Você espera se encontrar. Mas, novamente, eu lhe digo: se des-espere.

 

Você está encontrado, bem aí onde você está, com todas as suas faces. Tente, por um segundo, não se analisar. Não analisar os problemas, questões e sofrimentos da sua vida. Tente por um segundo não problematizar o mundo de fora e nem o mundo de dentro: aceite, pleno, o fato de que você é. Você está aí, completo. Você não precisa de mais nada. Você está completo, pleno, forte, vigoroso. E sua vida não vai parar agora, as coisas não acabaram porque você realizou que é tudo que poderia ser. Não, muitas ondas irão passar por você, mas seja como o oceano, que em tempestade ou calmaria permanece oceano, sabendo quem é, sereno, frutificando vida dentro de si, trazendo alegria e frescor para os que estão do lado de fora, e mesmo que vez em quando traga devastação, continua sendo oceano. Continua pleno.

Não se espere. Não espere que você mude toda sua forma de existir, que conserte sua personalidade, que aprenda a meditar para saber disso e só então passar a repetir dentro de si que você já é tudo que precisa ser. Sim, você é virtuoso, vitorioso, cheio de luz. E sim, também é muita sombra, possui muitos abismos, mas sabe que assim como não se mora pra sempre no alto da colina, não é possível passar o resto da vida enterrado no fundo do poço. Essa é a parte em que ser pleno, ser tudo e ser nada, se enche de aventura. Porque você não sabe o que virá, mas confia que há algo muito vasto que mora aí dentro e que vai te guiar, seja lá qual caminho você esteja a seguir. Você não tem que decidir nada, não tem que prever seu próprio futuro, não precisa encher a mente de planos e frustrações antecipadas, muito menos remoer o passado. A mente cheia, a mente turbulenta, não tem espaço pra frutificar nada. O coração fechado, desconfiado, amarra dentro dele as angústias que já poderiam ter voado pra fora há muito tempo. Se desapegue. É passageiro. Tudo é passageiro. Aproveite a viagem, desfrute a paisagem, e se estiver chovendo lá fora apenas descanse: uma hora a tempestade tem que acabar.

Acredite, não sou eu que estou dizendo tudo isso a você. É uma voz que vive dentro de você mesmo, o tempo todo, e vez ou outra você se permite ouvir. Ela mora dentro de todos, não precisa ter medo de ouvi-la falar. Ela diz coisas muito sábias, e ela é universal. Ela é a voz dos avós do mundo, é a voz das raizes e é a voz da força que move a existência. É a voz da serenidade, da paciência, da contemplação. Não há nada de errado com ela, não é preciso entrar em pânico, e nos momentos de possível pânico, quando essa voz parecer emudecida pelo turbilhão de outras vozes menos sábias, a chame que ela vem e te bota no lugar pra fazer lembrar que não há porque todo esse medo: tudo é passageiro.

Para se des-esperar posso ensinar uma técnica infalível: se desiluda. Sim, a ilusão nunca foi boa pra ninguém. É preciso olhar com os olhos desvelados, e mesmo que as vezes doa, a dor não é pra sempre. A aceite, que ela passa. Se lutar demais para fingir que ela não existe, ela se fortalece pra lutar também. Se desiludir é saber que as coisas são o que elas são, aqui, agora. Nem mais nem menos. E olhe ao seu redor, tantas cores, formas, texturas. Seu corpo em funcionamento, sua cognição funcionando: VOCÊ PODE LER! Que maravilha! Seu corpo em plena atividade, o ar entrando e saindo das narinas. Não é preciso mais nada. Você não tem mais nada a fazer. Não tem nada a provar pra ninguém, nem pra si mesmo. Você é a prova de que a existência é plena em si mesma. Tudo que vier e tudo que já veio é pleno, tem sentido. Tudo.

Não se afogue nos seus pensamentos, deixe-os passear. Não se afogue nas suas emoções, deixe-as aflorar e murchar no seu próprio ritmo. Não se agite nas suas expectativas, nos seus medos. Você é maior do que qualquer uma dessas coisas. Está permitido chorar, rir, cantar, dançar, andar com os pés na terra. Está permitido ser essa magnificência que você é. E os impedimentos do mundo? E as regras da sociedade? Elas não mudam em nada a sua essência verdadeira.

Não vou negar que é frustrante muitas coisas que nos chegam. Não vou negar que é desolador ver as injustiças do mundo. Não vou negar que é preciso lutar, muitas vezes. Mas para isso você precisa estar sintonizado com a força maior que existe em você, com a certeza de que tudo isso é passageiro e que você é inabalável. E que mesmo que se abale, nenhum tremor é perpétuo. Que quando uma estrela morre, nasce o espetáculo de uma supernova. Deixe os ritmos do universo te transpassarem com calma, serenidade.

Tudo é passageiro, aprecie a viagem, desfrute a paisagem, e se estiver chovendo lá fora, não se iluda, lembre-se que por detrás das nuvens o sol ainda existe. Se estiver muito escuro e você se assustar com a sombra de uma árvore, passe correndo, o medo também tem sua função, mas quando o sol brilhar, vá lá, onde você se atemorizou e verifique o que te assustou. Perceba: era só uma árvore. Amanhã, quando você passar novamente e estiver escuro, você vai se lembrar que aquilo que te fez tremer era apenas uma árvore e saberá passar pela escuridão com mais sabedoria.

Para ler mais da autora acesse Meio Desconexo. / Obvious

A Soma de Todos Afetos

Blog oficial da escritora Fabíola Simões que, em 2015, publicou seu primeiro livro: "A Soma de todos Afetos".

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