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“Como eu era antes de você” e a nossa capacidade de levar aqueles que amamos em nós

Um dia a vida chega e muda todos os móveis de lugar. Abre as cortinas e pede que as vistas caminhem por outros cantos. Um dia qualquer, sem pretensões, podemos ser tocados pelo amor e por todos seus desdobramentos. E o amor é tão imenso e apinhado de significados que mesmo quando aquele que amamos não está fisicamente ao nosso lado, podemos levá-lo conosco naquele avesso particular e infinito que nos habita.

Assim acontece no filme inspirado no romance da escritora Jojo Moyes “Como eu era antes de você”. Louisa é dona de uma espontaneidade marcante e tem um coração que não cabe nela. Precisando de dinheiro, depois de ser despedida de um café, ela acaba aceitando alguns trabalhos nos quais não permanece por muito tempo. Um deles em uma fábrica de processamento de miúdos de frango e o outro em uma clínica de estética como depiladora. Nesse ponto podemos notar que a personagem é incapaz de aceitar ofícios contrários à sua natureza e inclinação, mesmo diante de uma imensa necessidade financeira. Louisa é movida quase que unicamente pela emoção. Sua natureza doce anseia por uma interação mais livre, algo impossível nos dois ofícios citados.

Ao aceitar o trabalho de cuidadora de um jovem tetraplégico, Will, Louise tem sua alegria confrontada com o mau humor do rapaz. Algo que ela tenta contornar fazendo chás ou bolos, pois para ela com amor tudo se resolve e o amor aí é expressado através da comida. Hipoteticamente Will, antes bastante ativo e praticante de inúmeras atividades físicas, se encontra no mesmo ponto em que Louisa. Ela está paralisada, usando muito pouco de sua vasta capacidade, se portando de forma otimista, contudo, conformada com a situação em que vive.

Louisa diz não gostar de coisas as quais nunca experimentou. Diz não precisar daquilo que nunca ousou ter. Louisa vive sem se desafiar. No filme percebemos que ela se esforça em alguns momentos, à contragosto, para alcançar o namorado que é maratonista e vive correndo e falando de competições esportivas. No entanto, na cena na qual ele vai ao jantar na casa de Lou, Patrick se atrasa por quase meia hora. Nesse momento fica claro que a prioridade do namorado não está em Louisa, mas em vencer competições e mostrar ao mundo o quanto ele é “bom”. Algo que provavelmente serve para balancear um complexo de inferioridade particularmente seu.

Na cena na qual Lou recebe seus presentes de aniversário fica evidente que o namorado quer que Lou o adore e quer que ela exiba ao mundo sua estima por ele. Seu presente é um pingente de coração com seu nome gravado nele.

Por outro lado, Will dá a Lou uma meia similar à que ela usava quando criança. Nesse ponto vê-se a estima arranjada, entre Lou e Patrick, em contraponto à estima real e não simulada que existe entre Lou e Will.

Fica bastante claro que Lou encontra em Will alguém que a ouve e compreende. Alguém capaz de olhar para ela de forma carinhosa amando-a como é, mas mostrando a ela que existem outras possibilidades que podem ser experimentadas, sem represálias, sem demonstrações de grandeza ou algo que certamente macularia qualquer relação. Patrick não olhava para Lou, olhava para ele e suas limitações.

Will e Lou ao se amarem passam então a viver um no outro.

Isso é possível, pois ao amarmos emprestamos ao outro nosso melhor. E no amor não somos mais só nós, tão pouco só o outro, nos tornamos uma mescla do que há de melhor nos dois.

No filme Will cogita a eutanásia, algo que deixa Louisa transtornada, contudo ela crê que o amor que sente por ele o fará mudar de ideia. Will, é a materialização da razão e como tal não tem a intenção de voltar atrás em sua decisão.

Esse foi para mim o ponto principal do filme, no qual o amor de Louisa é testado. Ela seria capaz de amá-lo, mesmo tendo ele tomado uma decisão contrária a tudo que ela achava ser o mais certo?

O filme nos passa a mensagem de que não podemos mudar aquilo que as pessoas são em essência, por mais que desejemos isso e que no amor somos capazes de amar e de orientar, sem, no entanto, forçar uma mudança. O amor não impõe, o amor aceita, abraça e indica o melhor, de forma respeitosa.

E quando somos respeitosos com o amor do outro ele perdura na gente até nosso último suspiro. Levamos o outro junto de nós pelo resto de nossos dias. As cenas finais do filme tecem em letras delicadas a palavra “liberdade”: liberdade de amar o outro e suas decisões, independente delas serem contrárias às nossas e liberdade de deixar-se transformar pela vida e pelo amor que há nela, independentemente de qualquer coisa.

Na cena de Paris, não era apenas Lou sentada em um café, mas Lou e Will juntos seguindo rumo a uma nova vida.

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Vanelli Doratioto

Vanelli Doratioto é especialista em Neurociências e Comportamento. Escritora paulista, amante de museus, livros e pinturas que se deixa encantar facilmente pelo que há de mais genuíno nas pessoas. Ela acredita que palavras são mágicas, que através delas pode trazer pessoas, conceitos e lugares para bem pertinho do coração.

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