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Use filtro solar e acredite em suas fadas

Tem dia que a gente acorda triste, não tem jeito, e toda e qualquer tristeza quase sempre sentencia que “a vida é o que é” e nos aponta o pior.

Não é difícil que, em dias como esse, algum ente próximo ou colega de trabalho, ao nos ver de cara fechada, puxe uma cadeira e nos liste, com veemência, suas impressões ruins acerca da vida.

Nesse ponto, preciso confessar que eu não aprecio em nada essa “razão das coisas” que nos é ditada de forma gratuita.

Assim, quando alguém nos afirma que “não existe amor de verdade”, que “todo mundo traí”, que “morreu: acabou”, que “a vida é uma lástima”, que “a gente nasceu pra sofrer” e todas essas coisas recheadas de muito pessimismo, saibam que essas afirmações, para quem as diz, realmente procede, mas o mesmo não vale, nem de longe, para nós.

Falo isso, pois quem aponta o fim de algo para outro já o extirpou do íntimo há tempos. Quem vem pra perto querendo fazer caber na vida dos outros razões particulares e pequenininhas, certamente já causou um extermínio íntimo bastante grande em si para tentar protelá-lo aos outros. Lembram daquela citação de James Barrie em Peter Pan: “Toda vez que uma criança diz ‘Eu não acredito em fadas’, uma fada cai morta em algum lugar”? Ela pode nos parecer totalmente fictícia, mas no íntimo é muito verdadeira.

Para quem não acredita em fadas, fadas deixam de existir. Para quem não acredita no amor, o amor desaparece. Para quem não acredita na amizade, os amigos somem. A vida tem uma magia interessante que requer, antes de qualquer coisa, que a gente acredite. De acordo com Carl Jung uma experiência aparece em nossas vidas quando inconscientemente a buscamos, quando estamos preparados para ela. Se as fadas morrem, sendo “fadas” a representação simbólica de tudo que não pode ser medido e racionalmente explicado, mas que nos motiva, morre em nós também a esperança no melhor e dessa forma pequenas felicidades somem do nosso horizonte.

Tem muito exterminador de fadas por aí. Tem muito exterminador de sonhos nos caminhos da vida. Todos já nos deparamos com eles, todos já fomos assombrados por suas profecias. Dessa forma, por mais tristes, desanimados e desiludidos que possamos estar em um determinado momento, é muito válido que a gente procure um cantinho sossegado e tenha um bate-papo particular com nossos botões antes de abraçar o pior, principalmente se ele tiver vindo da ideia de alguém.

O seu amigo foi desleal? Você foi traído pelo namorado(a)? Seu cachorro te mordeu? Não existe em nenhuma dessas ponderações regra alguma a ser aplicada. Amigos não são desleais. Amores não estão fadados a terminarem em traição e os cachorros não são todos raivosos e descontrolados. Muita calma nessa hora.

Essa tendência de racionalizar fez com que nós, homens modernos, nos afastássemos dos bosques, parássemos de olhar para as estrelas, deixássemos de notar os lamentos das árvores e os ciclos da lua e das marés. Em suma, trocamos crenças ancestrais pela adoração do que pode ser explicado. E como Carl Jung mesmo afirmou em seu livro Os Homens e Seus Símbolos: “Nossas vidas são agora dominadas por uma deusa, a Razão, que é nossa ilusão maior e mais trágica”.

Dessa forma, se não dá para explicar, se não dá para provar, se não dá para fazer fórmula matemática, tem gente que descarta e prega que a gente descarte também uma série de boas possibilidades. Daí nos surge à frente aquelas perguntas: Por que você fez isso? Por que você acreditou nisso?

O mundo cobra respostas e aponta tudo que vem do coração como algo supersticioso e sem fundamento. O que não podemos esquecer é que é a razão e sua mania de padronizar, e não a emoção, que nos enche de vazios.

Desse modo, se nos perguntam sobre fatos concretos para explicarmos um anseio, uma confiança, uma sensação, uma afinidade, um pressentimento, um querer bem, e não os tivermos de pronto, não devemos nos afligir em busca de uma resposta concreta. Comumente o sentir sabe bem o fundamento de nossas decisões.

Escolher com o coração quase sempre fala de valores bem fundamentados e de nossa capacidade em crer no melhor. E mesmo que um dia ao acordarmos nos sintamos desanimados, isso só quer dizer que uma fadinha em nós está doente, que ela precisa de cuidados. O acreditar tem um poder enorme, o não acreditar também, só depende de nós escolher de qual lado ficar.

O meu lado eu já escolhi. Acredito em fadas, duendes, Saci-Pererê, coelho da páscoa, sereias, unicórnios, Papai Noel, pé grande, dragões e monstro do lago Ness.

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Vanelli Doratioto

Vanelli Doratioto é especialista em Neurociências e Comportamento. Escritora paulista, amante de museus, livros e pinturas que se deixa encantar facilmente pelo que há de mais genuíno nas pessoas. Ela acredita que palavras são mágicas, que através delas pode trazer pessoas, conceitos e lugares para bem pertinho do coração.

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