Por Caroline Treigher
Sorrir quase sempre é muito bom, mas às vezes é um sintoma de dissociação. Dissociação é o que acontece quando o corpo, a razão e a emoção desligam-se um do outro, funcionando separadamente. Por exemplo, você cai e rala o joelho, mas solta uma gargalhada. Embora a perna esteja doendo, você dispara numa risada incoerente com a ferida. Qual a graça disto? Nenhuma. Simplesmente você sentiu-se ridículo pela queda e sorriu antes dos outros. Eles ririam de qualquer modo, mas você tenta acreditar que estão rindo porque foram autorizados por seu próprio riso. É o seu instinto de autoproteção tentando driblar o constrangimento.
Pois bem, como vemos, a dissociação é algo que acontece com todo mundo. Em si não é um mal, sendo inclusive necessária em diversos momentos, como quando nos concentramos numa atividade que exige atenção. Agora mesmo eu preciso dissociar do que está acontecendo à minha volta, para escrever este texto. E você que me lê precisa dissociar também, para compreender o que está escrito. Enfim, todos precisamos, vez por outra, usar este recurso de desconexão somato-emocional.
Desconectar com a emoção dolorosa também pode ser crucial. Um médico não deve desabar em lágrimas em plena sala de cirurgia quando seu paciente morre. Nem é recomendável a uma mãe estourar chorando na frente do filho, quando este se machuca gravemente. É preciso, em algumas circunstâncias, controlar as emoções, em nome de algo maior a ser feito. Se este controle é feito de maneira consciente, ótimo. O choro fica guardado para momentos mais reservados, onde poderá fluir sem causar danos emocionais a ninguém.
Mas como tudo demais é veneno, a dissociação pode ser problemática, quando a pessoa está tão acostumada a desligar-se do que sente, que nem percebe que quer chorar e chega a sorrir espontaneamente nas situações mais inusitadas. Habituou-se a rir para não chorar. Falo do sorriso inadequado, aquele que se esboça numa ocasião em que o comum seria chorar. Há pessoas que sorriem quando recebem uma má notícia. Alguém morreu? Risos. Perdeu o emprego? Risos. Brigou com o melhor amigo? Risos. Isso é mais comum do que se pensa, e é também mais perigoso.
A dor precisa ser liberada. Lágrimas são uma forma de esvaziar um pouco da tensão causada por algo desagradável. Se elas não encontram um caminho saudável para saírem, elas vão procurar qualquer caminho, nem que seja a doença. Lembro que no começo da faculdade procurei um psicólogo e, ao ver a sua caixa de lenços, afirmei que não usaria nenhum, pois não costumava chorar. Declarei então, cheia de orgulho, que quando criança chorava muito, mas agora era diferente. Dias depois, cheguei na sessão entre mil espirros, assolada por uma rinite alérgica. Por causa da crise (comum na época), meus olhos lacrimejavam e o nariz estava congestionado. Meu terapeuta observou o quanto minha alergia se assemelhava ao choro. Imediatamente entendi: as lágrimas contidas estavam saindo num surto de espirros, ao invés de saírem através do choro. Comecei, após esta sessão, a me atentar para o que ocorria no dia anterior a uma crise de rinite. Percebi que eram situações problemáticas, pelas quais não chorava. De lá para cá, meu esforço passou a ser em chorar sempre que possível. A rinite? Acabou!
Não há vergonha em chorar. Temos uma cultura que associa o choro à fraqueza. Mas chorar é algo muito humano e que exige coragem. É corajoso chorar diante dos outros, mostrar nossa delicadeza, nossa humanidade. Costumamos pensar que o choro causa pena, mas acredito que ele gera comoção. Comoção não é pena. É empatia. O choro nos conecta à capacidade de chorar do outro, que se solidariza com a nossa dor. Não que a gente tenha que estar chorando por tudo, a toda hora. Há realmente choros manipuladores que devem ser evitados. Mas temos que nos permitir sorrir quando é para sorrir e chorar quando é para chorar. Conhecer nossas emoções e permitir que elas se manifestem pelos caminhos possíveis e saudáveis é uma conquista do amadurecimento, e não, como se pensa, deixar de sentir certas emoções.
Quando assisti ao filme A Paixão de Cristo, ouvi uma mulher reprovar, chocada, a maneira como o Jesus cinematográfico gritara, ao sentir os pregos sendo enfiados nas mãos. Eu me perguntei: o que ele deveria fazer? Sorrir? Veja o que é o nosso conceito de força! Talvez ela tenha considerado uma deselegante fraqueza o Filho de Deus gritar de dor. De minha parte, achei-o mais divino. Ele se revelou tal como nós, suscetível às mesmas dores, e mesmo assim, não abdicou daquilo que acreditava. Foi até o fim, sem titubear. Isto, sim, é a verdadeira força, a coragem dos seres amadurecidos!
Não precisamos rir para não chorar. Precisamos rir e chorar, quando nos convém rir ou chorar. E reconhecer quando nos convém ou não. Dar aos fatos a sua devida medida. Só isto.
*Autora do artigo: Caroline Treigher
*Fonte de referência: Papo Psi
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