O café esfriou. O cigarro apagou. O jornal de ontem já não importa mais. Já que hoje as coisas estão assim, a vida corre. Um minuto aqui, depois como num borrão tudo se esvai com as fumaças do trem que passa com pressa à direita. Todos têm seus destinos, suas obrigações. Não têm tempo a perder. Corre aqui, corre ali, sem parar. E enquanto esse mar de gente se afoga por todos os lados em seus próprios compromissos, eu me encontro aqui. Mergulhando sem querer. Pois no meio dessa multidão louca, encontrei alguém com sua própria loucura – que por mais louco que pareça – encaixou-se perfeitamente com a minha. Mas já se foi.
Pessoas se encontram em meio a tantos rostos sem face e se enxergam. Enxergam-se os olhos um do outro, olham o sorriso e analisam cada detalhe do rosto. Não só veem, como sentem, como acabam por amar cada parte. Que loucura. Amar alguém, amar cada sentimento de um certo alguém e não ter. A vida continua? O mundo continua girando? Isso é fato. Mas entre todas as loucuras do mundo, a pior loucura é a incompreendida.
Mas não posso obrigar a aceitar a minha loucura. Não posso brotar amor em um coração para colher amanhã. Esse mundo é mesmo louco.
Sentimentos se instalam dentro de nós e não há o que façam passar, não há palavras que confortem, não há britadeiras que perfurem e muito menos borracha que apague. Se eu amo, eu amo. Do meu jeito torto, louco, doido, sem fim. Mas eu amo. Mas você já não está mais aqui para ouvir tudo isso. Foi-se, eu fiquei. E tudo é uma mancha de tinta. Tudo perdeu a graça. Assim como o café, esfriou. Assim como o cigarro, o brilho se apagou. Lembra? Daquele brilho que costumava existir aqui nesses olhos que te olharam com ternura e amor tantas vezes? Foi-se. Com você. Está aí, guardado no seu bolso de trás da calça jeans surrada, pronto para ser deixado para depois. Para pensar depois.
Para querer depois. Quando tudo o que eu desejo é o agora.
Mas para que eu escreveria uma poesia sobre isso? Talvez aliviaria o coração, talvez só me fizesse pensar ainda mais nesse pesinho que ando carregando no lado esquerdo. Do que adiantaria descrever palavra por palavra se o incômodo está bem preso aqui, para me não me deixar esquecer? Os últimos dias têm se passado tão calados. Logo eu que nunca gostei do silêncio. Logo eu que nunca gostei de prédios cinzas ou frases simples.
Logo eu que nunca soube sair de um abraço, nunca soube soltar o entrelaçado das mãos. Mas, não. Eu não preciso escrever uma poesia sobre isso. E mesmo se precisasse, quem iria ler? Você, Zé? Você ainda lembra que se enlouqueço transformo tudo em verso? Pois bem, aqui estou. Enlouquecendo aos cantos, fazendo notas mentais e rabiscando o rodapé. Só mais um ponto e outra vírgula ali. Talvez isso me deixe melhor. Vira, revira. Até pensei em ligar, mas decidi escrever mais um parágrafo. Não que eu precise escrever sobre tudo isso, só achei que a confusão ficaria mais poética se terminasse em reticências…
E olha só, meu bem, já se tornou poesia antes mesmo de ser.
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