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Quem te atenderia depois da Zero Hora?

Quantas vezes não acordamos no meio da noite com o sono a nos escapar apressado, batendo em retirada para outras paragens? Então ficamos nós, espremidos em nossa cama, desconfortáveis e muitas vezes sozinhos.

Como ansiamos nessas horas poder nos partilhar com outro! Procuramos então entre um tic e um tac não o telefone, mas a memória para recordar aquele capaz de uma acolhida inesperada em uma noite de tormentas interiores nas quais tudo o que mais desejamos é nos abrigar longe de nós mesmos.

Temos tantos amigos nas redes sociais, tantos colegas de trabalho, tantas companhias para o chope de sexta, mas e para as madrugadas insones, o que temos? Quem em sua essência nos atenderia de bom grado depois do relógio tocar doze vezes e de nos vermos desprovidos de nossos encantos?

A gente se vê, a gente se fala, a gente marca alguma coisa mais tarde, a gente combina qualquer coisa dia desses… qualquer coisa eu te ligo, passa lá depois, vou ver aqui e te falo, me dá cinco minutos que eu já retorno, são frases cotidianas e cabem em muitas bocas.

Coloca uma roupa que eu estou indo te buscar. Abre a porta que eu vou te fazer companhia. Joga um colchão no chão que eu vou dormir ao teu lado. Chora no meu ombro que eu te entendo. Deita aqui no meu colo que eu vou te abraçar. Vem pra cá agora, são frases para poucos, essas só podem ser ditas por aqueles com os quais temos a tão preciosa intimidade.

E intimidade é uma coisa rara, quase encantada. Muitas vezes uma vida ao lado de uma pessoa não garante que a intimidade exista, contudo, uma hora ao lado de outra pode ser como um marco no calendário de nossa vivência, um raro encontro de almas. Então escancaramos sem ressalvas a porta do nosso íntimo, fazemos confissões na certeza da aceitação, dividimos vontades descabidas, muitas vezes isentas de justificativas, sem parecermos bobos ou levianos. Contamos segredos sussurrados, nos deixamos tocar sem medos e ressalvas por um outro que parece feito de nós.

Ao lado daquele com o qual temos intimidade, um olhar se transforma em aconchego, um sorriso vira um convite para o ânimo. Para ele podemos ligar de madrugada para desabafar sem medos. Para ele não precisamos ser perfeitos, não precisamos ser encantados. A intimidade é como ouro em pó. É um partilhar sublime de corações que se entendem no silêncio introspectivo, na beleza de uma lágrima mansa, na doçura de uma canção compartilhada.

Quantos afirmam apertando nossas mãos que são amigos de verdade, que são para todas as horas, contudo amigos para depois da zero hora são bem poucos. Amigos para dividir não só o lado bom da vida, mas as ansiedades gritantes e os medos infundados são raros.

A intimidade no outro é a morada do amor, é nela que vive a aceitação, o apreço, os ensinamentos brandos, as palavras que consolam e que curam. A intimidade na amizade é maravilhosa, no amor é um bálsamo, no sexo é sublime.

Se nossa memória se retesar em alguém nas silenciosas horas de uma madrugada insone. Se ao pensarmos nesse alguém soubermos que podemos com ele partilhar o nosso tudo a qualquer momento. Se ele entrou silencioso e respeitoso em nossa mente e sentou-se confortável em nosso coração, talvez seja hora de trazê-lo para mais perto de nossa vida.

Por outro lado, se nossa mente foi incapaz de encontrar nas horas notívagas um alguém íntimo o bastante para nos resgatar de nós, talvez tenha chegado o momento de repensarmos nossos relacionamentos. Talvez seja a hora reavaliarmos nossas prioridades e de termos claro em nossa mente que apesar de vivermos cercados diariamente por inúmeras pessoas, virtuais e não virtuais, são preciosos e raros aqueles com os quais podemos partilhar a tão bonita intimidade em um dia de sol ou em uma noite vazia.

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Vanelli Doratioto

Vanelli Doratioto é especialista em Neurociências e Comportamento. Escritora paulista, amante de museus, livros e pinturas que se deixa encantar facilmente pelo que há de mais genuíno nas pessoas. Ela acredita que palavras são mágicas, que através delas pode trazer pessoas, conceitos e lugares para bem pertinho do coração.

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Vanelli Doratioto
Tags: Zero Hora

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