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A heroína da capa rasgada

Ela passou a vida voando de um lado para o outro, mas de tempos em tempos despia-se da capa e se deixava cair e ficava ali sem pedir ajuda, estirada no chão. Ela era cada sentimento que passava por sua cabeça e nunca gostou da superfície, sempre mergulhou. E, por mergulhar, sentia cada fagulha de alma que havia em tudo. Sentia cada detalhe que corria no vão mais escondido e isso nem sempre era bom, porque misturava em seu peito o bem e o mal. Tinha o dom de captar num olhar muito mais do que palavras poderiam explicar, era o que fazia de melhor: sentir.

Mas, numa queda brusca demais, ralou os joelhos e sua capa fora rasgada. Não era mais a sempre forte, a que mantinha todos ao redor em pé. Descobrira na queda que de heroína só tinha a capa e que de humana tinha as lágrimas, as quais não precisava sentir vergonha de deixar rolar. Na sua imensa e intensa humanidade chorou para lavar a alma e unir sua luz e sua sombra.

Quando começou a abrir as dores, a escancarar as feridas, foi quando elas começaram a cicatrizar, a doer menos, a amenizar. A ex-heroína estava começando a aprender o significado da palavra compartilhar, que era até mágica, transformava muitas vezes uma casa dolorida numa mais arejada e florida.

Sentada na janela do seu quarto estava começando a entender o que era metamorfóse, mas não esperava borboletas, sabia que ela era a própria.

A vida é rasa e ao mesmo tempo de uma profundeza que abrange corpo e alma juntos. De neutra não tem nada, sua cor pode ser preta e branca ou multicolorida, meio termo não tem. Aquela mulher que usava capa, que escondia suas dores, que não chorava, ficou para trás. Hoje ela está ciente de que é frágil, de que tem seus limites e do mesmo jeito que respeita o limite alheio, tem aprendido a respeitar o seu. E ela sabe que não é difícil quando ela quer ficar bem, principalmente com ela mesma.

Ela está na estrada caminhando, vai assoviando e aprendendo a falar mais de si, a respiração está mais tranquila porque ela percebeu que o que realmente importa é respirar amor e h(ar)monia. E que não é feio doer, mas o que faz mal é se esconder.

Tem dentro de si um tesouro guardado e tem percebido que ser humana não é um bicho de sete cabeças.

Meire Oliveira

Meire Oliveira é Escritora, Poeta e Coach de transformação. Amante das estrelas e das estradas. Autora dos livros Pintando Borboletas e Vai Com Fé que Flui. Conjuga o verbo escrever com vários outros juntos: ama, sente, vê. Por isso nasce e renasce em palavras que palpitam nela.

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