Já percebeu como a tecnologia evoluiu com algumas features direcionadas única e exclusivamente para conferência de informações? Senhas, perguntas secretas, identificação/bloqueador de chamada, localizador de telefone, risquinhos azuis. É como se não conseguíssemos de maneira nenhuma confiar nas pessoas, e tentássemos – frustradamente- usar fios óticos e satélites para rastrear a verdade. Vivemos na era da mentira patrocinada. Ora pelas nossas crenças, Ora pelas oportunidades, em outros momentos justificados pela nossa cultura, e em outros por nossas boas intenções. Claro, quem nunca foi pego numa mentira e justificou com bem-feitorias como “eu não queria te machucar” ou“menti pro teu próprio bem”? Todo mundo mente.
Nós apresentamos carteirinha da faculdade que já não frequentamos na academia para pagar valor de estudante, nós dizemos ao guarda de trânsito que não vimos a sinaleira amarela, nós sorrimos para chefes que odiamos, não retornamos ligações“porque já era tarde”, nós fingimos orgasmos. É assim desde o tempo de Adão, Eva, a maça e a cobra mentirosa. Vai ver a cobra disse a Eva que a maça faria dela magra para sempre, indiferente dos sorvetes que ela tomasse na vida. A maça, antes de ser um pecado, foi uma mentira. As desculpas são diversas, queremos pagar meia ou não pagar multa, agradar o chefe, não retornar ligações ou estávamos muito cansados para gozar ou discutir a relação. Tudo muito justificável. Outra grande mentira. O que a gente não quer é se a ver com as consequências das nossas escolhas. É difícil olhar nos olhos da verdade, eu sei.
Por conta disso, passamos a nos acostumar com a mentira de tal forma, que escolhemos a categoria de mentirosos que queremos por perto. Políticos que mentem por causa do partido. Safados crônicos que mentem porque nunca foram amados. Dependentes químicos por conta de suas ânsias. Cleptomaníacos por causa da doença. Nós institucionalizamos a mentira como forma de conseguir continuar vivendo em sociedade. Tempos atrás acordos eram firmados com palmas cuspidas e um aperto de mãos no chamado “acordo de cavalheiros” ou ainda “no fio do bigode”. Hoje precisamos de contratos, adendos contratuais, acordos pré-nupciais, advogados, advogados dos advogados, licenças, patentes, testemunhas e atestados de veracidade. Não existe mais a boa-fé. Nem boa, nem fé.
Eu sei, um lado nosso não quer ouvir a verdade. Quando pergunto para o gato se eu engordei, sabendo que sim, quero ouvir dele a “versão açucarada” (ambiguidade aqui) da verdade. E ele mente para me agradar e para se proteger. Ele sabe o preço da verdade, pois já dormiu no sofá por conta dela. Quando meu irmão não me retorna uma ligação depois de três dias, prefiro ouvi-lo dizer que estava em cirurgia (como doutorando de medicina, não como paciente). Acho melhor imaginar que ele ficou 72 horas consecutivas heroicamente fazendo uma massagem cardíaca em alguém prestes a morrer, a dar um soco no meu coração dizendo que se esqueceu de falar comigo. É natural. Às vezes a gente não quer a verdade. Ela é dura e machuca.
“Mas eu ‘apenas omito’, ‘distorço’, ‘aumento’, ‘adoço’ a verdade”. Todas as variações de uma mentira que não assumimos contar. Todas inocentes, justificáveis ou bem intencionadas até o limiar de se tornarem parte de nós mesmos. A questão não é que ela tem perna-curta, mas o que ela faz com a gente. Carlos Drummond de Andrade uma vez falou que “acreditar em nossa própria mentira é o primeiro passo para o estabelecimento de uma nova verdade”, e essa frase me arrepia os cabelos da nuca. Já pensou se todas as distorções que fazemos da vida real, forem contabilizadas como distorções do nosso caráter? Ainda assim a gente segue fingindo, uns que estão sendo sinceros, e outros que acreditam, já que a verdade dá trabalho.
Não sou hipócrita ou idealista para imaginar um mundo sem mentiras. Todo mundo mente e eu entendo. A pergunta de fato não é quem mente, uma vez constado que é natural do ser humano a inversão ou inventabilidade da verdade. A pergunta é quem de nós já mentiu o suficiente pra esquecer-se das próprias verdades? Você acredita na pessoa que é, ou na que diz ser? Quando deixamos de ser meninos, para virarmos apenas insensíveis caras de pau? Pinóquio teve que provar coragem, bravura e lealdada para tornar-se um menino de verdade. Ora, pois não são estas, justamente, as qualidades que nos faltam para olhar a verdade?
São sim, “simplesMENTE”.
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