Nas minhas andanças por este mundo, conheci inúmeras pessoas, gente de tudo quanto é tipo, estudada e analfabeta, calma e agitada, pobre e rica, egoísta e altruísta, austera e excêntrica, certinha e louca, enfim, de tudo quanto é jeito que se possa imaginar. E, como sempre tive o dom (ou o defeito?) de observar e questionar, observei e questionei tudo que vi e percebi que todos nós, todos nós mesmo, somos difíceis, complicados, ambíguos, contraditórios, uns mais, outros menos, mas todos de sua maneira especial.
O ser humano é complexo e nosso lado emocional é um emaranhado de coisas que resultam tanto de nossa constituição como de todas as experiências vividas, principalmente daquelas da infância, que nos pregaram tanto e formaram a base daquilo que somos. Somos todos complexos, e assim também complicados, difíceis de ser interpretados e entendidos. Pode ser que sejamos mais nítidos e transparentes hoje, mas isso pode mudar amanhã, já que nada neste mundo é constante, tudo muda, também nossa clareza, nossas certezas, nossa coerência e aquilo que somos ou acreditamos ser. O equilibrado de hoje pode ser o desvairado de amanhã, o torto de agora pode ser o certo de mais tarde, o pobre pode se tornar rico e o rico pobre e até mesmo nossa inteligência pode ser reduzida bruscamente por uma enfermidade que acometa nosso cérebro.
Não existe ser humano fácil, descomplicado, desenrolado… Nem ser humano difícil, complicado, enrolado… O que temos são fases de nossa vida, hoje uma fase mais clara, amanhã talvez mais conturbada e depois possivelmente mais clara ainda. O que temos são histórias vividas e suas consequências, ações sofridas ou praticadas e seus efeitos, que geram situações e que nos pregam nessas situações.
Assim, me assusto e até me decepciono ao perceber que virou moda o discurso sobre as pessoas difíceis (que recebem muitos outros nomes: complicadas, problemáticas, tóxicas, vampiros emocionais…). Assusto-me porque isso faz pouco sentido e decepciono-me porque é injusto, já que vejo “furados falando dos rasgados”, gente sendo criticada por coisas que todos nós somos, cada um de seu modo. O número crescente de artigos sobre o assunto e sua repercussão mostram que há um grande interesse dos leitores de confirmar a complexidade dos outros como se eles mesmos não fossem complexos, de realçar os defeitos alheios como se eles mesmos não tivessem os seus, de criticar a chatice de terceiros, como se eles mesmos jamais fossem chatos, criticando, julgando e até mesmo menosprezando aqueles que classificamos como difíceis.
Sei que agora um ou outro leitor poderia protestar, afirmando que há pessoas que realmente são mais difíceis, e eu não discordaria disso. Não estou dizendo que vivemos todos nossos problemas sempre com a mesma intensidade e que todos nós somos sempre igualmente “chatos/difíceis/problemáticos”. É claro que isso não é assim. Temos histórias únicas e vivemos situações diferentes. Uma pessoa solitária pode ter a tendência de “grudar” em outras pessoas, uma pessoa com uma enfermidade crônica pode ter a tendência de falar o tempo todo de sua doença, uma pessoa desempregada pode chatear com suas preocupações financeiras e uma pessoa que sofre de carência afetiva pode realmente tentar sugar nosso afeto. Tudo isso existe. Mas penso que deveríamos ser mais complacentes com as pessoas à nossa volta, reconhecer que cada um de nós é difícil de seu modo e que, por mais problemática uma pessoa possa nos parecer, não temos o direito de classificá-la desse ou daquele modo, de julgá-la ou mesmo menosprezá-la, mesmo porque aquela característica que tanto nos incomoda naquela pessoa pode nos afetar amanhã, bastando que nós mesmos, seja lá por qual motivo, terminemos entrando na mesma situação na qual ela vive hoje.
Acho que muito mais importante que criticar as pessoas que achamos difíceis seria tomar consciência de nossa imperfeição humana, de que somos todos limitados e “defeituosos” de nossa maneira e que, normalmente, uma pessoa “difícil” não é assim porque ela quer, mas que isso é fruto das circunstâncias que viveu até agora ou que vive no momento.
O comportamento difícil de alguém é, muitas vezes, nada mais que um pedido de ajuda: “Eu nunca fui amado. Por favor, me ame!”, “Sou solitário. Por favor, me faça companhia!”, “Não tenho com quem conversar. Por favor, me escute”. Acho indispensável sintonizar a antena para perceber isso, ao invés de rejeitar, menosprezar e julgar pessoas assim. Reconhecer o pedido de ajuda atrás do comportamento problemático pode contribuir para que possamos conhecer e entender melhor a pessoa. E, no final das contas, somos nós mesmos que decidimos se queremos e podemos ajudá-la ou não.
Sei que há abusos. Sei que certas pessoas não respeitam determinados limites e exigem uma paciência maior que aquela que podemos oferecer. E sei também que isso é cansativo. Aqui seria muito útil saber dizer claramente que não e definir claramente os próprios limites de envolvimento com problemas alheios.
É claro que não é certo que pessoas nos “assaltem” com seus problemas, nos ocupem mais do que estamos dispostos e nos usem para despejar seu “lixo emocional”. Não é certo que certas pessoas, por mais que sofram, acreditem que temos a obrigação de escutar sua história e suas lamentações e de dividir com elas seu sofrimento. É louvável e humano quando tempos a disposição e a paciência necessárias para isso, mas não é nossa obrigação! E não é certo que elas projetem seus problemas em outras pessoas. Projeção sempre é injusta. Mas aqui seria essencial perceber que nós também projetamos quando reclamamos dessas pessoas. Sim, projetamos nelas nossa incapacidade de impor os próprios limites e dizer não. Então, quando algum “problemático” da vida não lhe fizer bem, dando-lhe o sentimento de saco cheio ou de abuso de sua boa vontade, não reclame dele. Faz mais sentido perguntar a si mesmo o porquê de você permitir que ele faça isso. E se você sofre por não saber dizer não quando alguém “problemático” não respeita seus limites, ouso indagar: será que, nesse ponto, o “problemático” não seria você?