Categories: Ester Chaves

O Samba das Emoções

Quando somos assaltados por algumas lembranças, temos a mania de mudar o assunto do pensamento.

Tentamos impedir o fluxo das emoções substituindo a recordação. Forjando provas de outras histórias. Remendando a memória com um lembrete de outra cor.

Mas não adianta, as lágrimas denunciam que somos frágeis quando a missão é esconder os sentimentos.

O samba das emoções sacode o passado e entramos num combate exaustivo para não cedermos à tentação da memória. Está tudo ali, acumulado na porta do coração, explodindo na borda dos olhos.

O convite de retorno à máquina do tempo é impiedoso. Não espera a arrumação da alma. Não compreende que o passado deve continuar descansando em paz. Não possui calendário de visita. Aparece a qualquer hora e não respeita o presente de ninguém. Avança como se o tempo não fosse fronteiriço. Como se tudo pudesse parar.

De repente, os sentimentos desabrocham na superfície da alma. A tempestade enche as pálpebras, e perdemos o controle das emoções. Um redemoinho inesperado balança as nossas bases mais secretas. Acontece uma invasão que nos arrasta aos labirintos do passado.

Não temos dom de represa e a memória da emoção é sempre maior que o nosso esquecimento.

Não temos anticorpos contra as pancadas fortes das lembranças, e a avalanche de emoções sempre desaba na hora errada. Como uma chuva na volta para casa. Como uma armadilha que dispara por dentro.

O coração não é confiável. Vive a serviço da repescagem de emoções. Permite o trânsito fácil entre os arquivos das memórias. Passeia entre os tempos sem a vantagem do esquecimento. Anda procurando uma vítima das lembranças e costuma sequestrá-la sem dar maiores explicações.

O coração não respeita ciclos. Não verifica estabilidade emocional antes de emitir opinião. É especialista em adornar passados e usá-los como iscas.

Só nos resta aceitar a viagem no tempo. Afinal, é só mais um truque desse órgão espirituoso que adora ressuscitar nossas memórias mais fundas. Que nos põe diante do inalterável. Do que é só mais uma amostra de um tempo que não ameaça o presente porque já teve a sua vigência. A sua aparição é apenas um aceno de uma janela que se abre para dentro da própria paisagem.

Ester Chaves

ESTER CHAVES é uma escritora brasiliense. Graduada em Letras pela Universidade Católica de Brasília e Pós-graduada em Literatura Brasileira pela mesma instituição. Atuante na vida cultural da cidade, participa de vários eventos poético-musicais. Já teve textos publicados em jornais e revistas. Em junho de 2016, teve o conto “Os Voos de Josué” selecionado na 1ª edição do Prêmio VIP de Literatura, da A.R Publisher Editora.

Share
Published by
Ester Chaves
Tags: emoções

Recent Posts

Esse filme de romance da Netflix é a dose leve e reconfortante que seu fim de ano precisa

Se você é fã de histórias apaixonantes e da fórmula que consagrou Nicholas Sparks como…

2 dias ago

Na Netflix: Romance mais comentado de 2024 conquista corações com delicadeza e originalidade

Se você está à procura de um filme que mistura sensibilidade, poesia e uma boa…

4 dias ago

Pessoas que foram mimadas na infância: as 7 características mais comuns na vida adulta

Uma infância marcada por mimos excessivos pode deixar marcas duradouras na personalidade de um adulto.…

6 dias ago

“Gênios”: Saiba quais são as 4 manias que revelam as pessoas com altas habilidades

Alguns hábitos podem parecer apenas peculiaridades do cotidiano, mas segundo estudos psicológicos e pesquisas científicas…

6 dias ago

As 3 idades em que o envelhecimento do cérebro se acelera, segundo a ciência

O envelhecimento é um processo inevitável, mas não linear. Recentemente, cientistas do Primeiro Hospital Afiliado…

1 semana ago

Desapegue: 10 coisas para retirar da sua casa antes de 31 de dezembro

Fim de ano é sinônimo de renovacão. Enquanto muitos fazem balanços pessoais, é também um…

1 semana ago