De quantos novelos somos feitos? Quantos nós ainda teremos que desatar?
Tenho pensado nisso há um bom tempo, mas ficou mais evidente na última semana, quando minha mãe, subitamente, nos deu um susto. Com crises fortíssimas de labirintite, foi parar no hospital. E a causa veio em seguida: ansiedade.
Nossa vida é uma manta composta de muitos novelos, e as tramas se cruzam compondo o derradeiro desenho. De repente percebemos que não é possível separar as linhas, que não dá para individualizar as cores, pois tudo se transforma numa coisa só.
Assim também não guardamos em compartimentos individualizados cada porção daquilo que nos acontece ou afeta. Não existem gavetinhas onde arquivamos capítulos dos dias vividos ou explosões de sentimentos experimentados. Ao contrário, cada capítulo interfere diretamente no outro e no todo, bagunçando ou alinhando a estrutura de nossa manta.
A paleta de cores de minha mãe, antes tão organizada e com cada cor em seu lugar, foi bagunçada. Sem se dar conta, seu pincel dançou uma dança só dele, e misturou todas as tintas de uma só vez. Não teve como o corpo não falar. A aparente calmaria foi alterada sem aviso prévio; o curso de seu mar se rebelando contra a força de seus remos.
Não podemos fugir de nossa história. Daquilo que é colocado à nossa frente e precisamos atravessar. Nem sempre o caminho é limpo, livre de vendavais e espinhos. Nenhuma travessia está livre disso. Tentar apaziguar as intempéries da jornada agindo como se não houvesse tropeços é o mesmo que tapar os ouvidos e acreditar que os barulhos deixaram de existir. A existência grita, a existência cobra, a existência chama. É preciso ouvir o compasso das emoções sem receio do que há lá no fundo. É preciso suportar os vazios e respeitar a dor, tendo sensibilidade para despir-se das proteções costumeiras e mergulhar nu no silêncio carregado de mistério que há dentro de nós.
O corpo fala e a vida cobra. Se não nos permitimos um pouco de silêncio e solidão, respirando devagar e dando a mão aos pedidos da alma, adoecemos. É preciso não ter medo de se aprofundar. Ousar desconstruir-se para então se resgatar. Entender que somos feitos de muitos novelos, e que não é possível imaginar a colcha completa sem o entrelaçamento de todos os pontos, arremates e nós.
E mesmo sabendo que os nós se atam e desatam a todo instante, é possível continuar tecendo essa manta incrível que é a vida. Encarando os desafios como empurrões para um desfecho melhor dos nossos dias, e acreditando firmemente que desmanchar alguns pontos ou recuar algumas casas não significa fracasso, e sim novas chances de reencontrar a si mesmo, mais crescido, mais completo e provavelmente mais feliz.
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