Um Natal de talvez 1997 entremeado pela novidade do vale-CD, com aquela tia baixinha vestida de Papai Noel e um abajur em forma de peixe de presente pra sua vó. Uma tarde ensolarada no centro de Jaú. Aspirador de pó e tapetes sobre o muro em uma tarde de sábado, com os tios lavando o carro, as crianças correndo e as mulheres cozinhando na cozinha ao som de um pagodinho hoje desconhecido. O primeiro banho da irmã. O cachorro da sua infância, ainda filhote, quase do seu tamanho. O último dia de faculdade do seu pai. Sua formatura do pré-II. Você e seus primos brincando no quintal daquela casa que hoje já nem existe mais.
Cenas como estas surgem de vez em quando para nos acordar, bem naquele momento em que se está procurando algum arquivo antigo numa gaveta velha e então depara-se com uma fita cassete intitulada “Cenas da Vida III“. Meu pai tinha essa mania de gravar o tempo na filmadora, super tecnológica pra época, e nomear as fitas desse jeito assim, tão cru e vero. Assisti-las é sentir o tempo deslizar sobre os dedos das mãos num instante. É tentar ver no seu comportamento, aos cinco anos de idade, tentando abrir uma caixa de ferramentas, algum traço psicológico que se mantenha até hoje. Teimosia, autoridade, talvez até algum desrespeito e “olha só, você ainda chora fazendo isso com a sobrancelha!“. É querer achar um fundo de personalidade quando já não se conhece mais tão bem assim. Tentamos encontrar um fundo de nossa própria personalidade em tempos em que se tem de tudo menos hora marcada para refletir sobre a própria vida.
Closes intimidantes, olhares profundos, sorrisos roubados. Uma tarde de sol numa piscininha de mil litros quando você ainda nem sabia nadar, e encontra-se a paz novamente. Vozes infantis de pessoas que hoje já são até casadas, gente que já não vemos mais por motivos banais da rotina e do cotidiano, brigas de Natal e bate então aquela saudade de quem percebe que a vida pode ser muito curta pra se perder tempo com certas coisas.
Dinheiro, riqueza, fama, status: nada disso importa aos olhos das lentes que recordam os reais detalhes da vida, marcadas ainda com leves traços de cor à luz do sol, cores levemente desgastadas que dão o ar totalmente próprio da saudade e da nostalgia- coisa que os atuais filtros e programas de fotografia de celulares tentam imitar, mas que nunca chegará nem aos pés da naturalidade das lentes de antigamente. Elas captam as reais cenas da vida que se escondem por trás da banalidade do dia a dia. Afinal, é pra isso que servem as lembranças: pra reviver a importância daquele amigo tão especial que hoje você nem sabe mais onde mora, e pra quem você deveria ter ligado no aniversário mas não ligou por “vergonha de incomodar“.
Porque a vida não passa no Natal, no Ano Novo, nas festas importantes, nos casamentos. A vida passa no cotidiano, meu caro, e saber perceber a importância desses momentos detalhados na aura da memória é para poucos os corajosos que aceitam enfrentar o desafio de encarar a morte a cada instante. É mais do que uma questão de carpe diem, use filtro solar. É sobre saber dosar o olhar, as palavras, dosar quiçá as pessoas e deixar de lado tudo aquilo que te embaça o olhar.
Essa é uma das maiores mágicas da fotografia. Por mais clichê que isso soe, essas filmagens, fotografias, objetos e cheiros antigos, mesmo aqueles nem tão antigos assim, lembram que a vida da gente passa, que a gente passa, e que no fim nada mais disso tudo importa, além das pessoas e das relações em torno delas. Nada, absolutamente mais que nada, importa além do amor- que aliás um dia também irá passar, e ficará então marcado apenas nas fotografias guardadas em caixas antigas de pessoas que se perguntarão quem diabos são estes parentes distantes das fotos.
Seremos nós, sorrindo pelo tempo, marcados pela nostalgia e imersos na nossa própria existência pontual dessa vastidão que continuará a fluir sem nós.
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