Depois de uma corridinha pela manhã, recarrego as energias na cafeteria mais descolada da cidade (os mais modernos dirão “na cafeteria mais ‘top’ da cidade”. OK, confesso que tenho um preconceito com a palavra “top”, que na verdade não significa nada, tamanha a abrangência usada pros mais variados significados: ‘esse carro é top’, ‘minha academia é top’, ‘fulana é topíssima'(?), tudo é muito TOP! TOP! TOP! Mas enfim, eu divago…
Sentada, na mesa ao lado, uma moça de casaco azul e listras amarelas – modelo Adidas – olha o celular. Ela usa meias de compressão, acho que foi correr tbm, mas está muito arrumada para ter acabado de praticar esportes.
Um grisalho de camisa branca de manga longa dobrada acaba de sentar à sua frente.
Analiso a linguagem corporal do casal. Ela lança-lhe sorrisos furtivos, aqueles com o canto da boca. Mexe os olhos para cima e para a esquerda como se buscasse na memória um fato isolado. Pediu um espresso, levantando o dedo indicador e dobrando a pontinha, naquele gesto de chamar a garçonete: moça, por favor, um adoçante líquido – completou.
Ele ostenta um relógio enorme no punho direito. Reza a lenda que pessoas que usam relógio no pulso direito são pouco confiáveis, o que não acredito, pois uma coisa nada tem a ver com outra. Além de grisalho, apresenta uma penugem capilar no topo, como se ainda não tivesse decidido o que fazer com os poucos fios que lhe restam – raspar tudo ou pentear no estilo “montinho”, na tentativa de esconder a calvície incipiente.
Não tem como não deixar de ouvir a conversa dos dois, porque além de gesticular muito, conversam em voz alta.
“Muitos amigos estão passando pela mesma
fase, a crise – ela diz!
Cada um numa situação:
uns com filhos, outros sem filhos,
uns casados, outros solteiros, outros
separando… é sempre aquela busca por
algo mais.
Acho que você precisa fazer uma lista das coisas
que realmente gostaria de ter:
Filhos? Prós e contras.
Casamento?
Um carro novo?
Um corpo melhor?
Uma casa própria?
Uma viagem?
Muitas viagens?
Um trabalho voluntário?
Uma outra faculdade?
Fazer terapia, meditação, yoga, esgrima, crossfit, musculação?
E então listar as mais legais e correr atrás.
Comece pelas mais fáceis.
Filho é bom? Deve ser! Pensa num bichinho parecido com você? Mas aí você pensa que ele vai chorar por anos, depende de você 24 horas por anos, dá um trabalho danado, depois cresce e vai embora (no filme “Comer, Rezar, Amar a amiga da Liz, a protagonista da história vivida pela Julia Roberts, diz a ela: ter filhos é como fazer uma tatuagem no rosto!)
Hahaha, tô sendo bem louca mas se a gente não pensar assim, romantiza demais! Sem falar que colocar um ser humano nesse mundo é coisa de gente maluca.
Às vezes a gente planeja a vida pra ser de um jeito e no final tudo acaba diferente. Estou buscando cursos, talvez uma outra graduação. O que eu sei é que é muito difícil começar
do zero novamente.
Sei lá – complicado explicar. São muitas coisas envolvidas.Tem dias em que a gente pega as frustrações e faz um bolo. Tem dias em que as frustrações pegam a gente e fazem um bolo com a gente.
Sei lá…”
Ela pede agora um queijo quente. Enquanto espera, joga o cabelo para o lado, passando os dedos nas pontas, talvez numa tentativa de relativizar seus argumentos com gestos mais brandos.
No caminho de volta pra casa, enquanto ouvia calmamente Axl Rose cantar pelos meus headphones: “All we need is just a little patience”, eu ainda pensava no dilema da garota Adidas.
Concordo com você: Sei lá!!!!
Quem dera eu tivesse todas as respostas e pudesse cravar assim de cara: “a vida é como uma receita de bolo, baby. Se misturar alegria e tristeza na medida certa, o resultado será sempre perfeito”. Quem dera que sua história fosse diferente de “a vida que planejei saiu pior que eu esperava”. Quem dera os finais justificassem todos os começos. Quem dera…
Então tudo seria bem top, você não acha?
Leiam ouvindo:
https://m.soundcloud.com/thomas-chedeville-1/studio-brussel-paolo-nutini-better-man-live
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