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Quando o amor não pode ser

Ela nunca percebeu que eu a notei em meio a um amontoado de pais e mães na saída da escola. Sempre bem arrumada, com lindos cabelos loiros e olhos azuis cintilantes, precisamente destacados por um rímel preto.

Ela é uma linda mulher, perto dos quarenta, e sabe de sua beleza, mas também sabe que existe um tempo na vida de toda mulher que ela tem que fingir esquecer da beleza que tem.

Cada qual, ali em seu mundo, aguarda o sinal tocar e os filhos aparecerem sorridentes.

Para ela, além da filha, talvez seu coração aguarde algo mais.

Não demora muito e eu o vejo subindo. Com seus cabelos levemente grisalhos e óculos um pouco pesados. Ligeiramente informal e com um sorriso guardado, para ela.

Os dois sempre procuram se fincar feito nós, cada qual em seu canto, mas existe algo que os aproxima, uma força imperceptível que os traz passo a passo para junto um do outro.

E quando se olha lá estão eles, lado a lado.

A despeito de um mundo de julgamentos, um mundo de impedimentos, um mundo de ponderações e juramentos que não podem ser quebrados, nada consegue reter aquilo que, verdadeiro, verte do coração.

A conversa é polida, mas os olhos se fixam com profundidade. O corpo se limita a um certo espaço, mas a alma transborda e inunda tudo ao redor.

Dois apaixonados que não se terão. Dois corações que se admiram no silêncio e que se desejam profundamente.

Um desejo, quase ímpeto, assim como sangue em ferida, que me faz lembrar do filme “Moça Com Brinco de Pérola”.

Um desejo que inunda, feito tempestade, que chacoalha tudo com seus fortes ventos. E que mesmo quando tudo ao redor está na calmaria, no silêncio monótono do que é certo, faz o coração estremecer.

Todos os dias, em largos minutos, que para eles certamente devem ser breves, esses dois mundos se tocam e se amam sem proclamar. Se admiram e se acariciam com palavras cotidianas, ditas com todo carinho que podem revelar.

Todos os dias eles colocam de lado as máscaras que prendem ao rosto e se importam sem querer.

E mesmo que finjam para si mesmos que não se querem, que não esperam ansiosos por esse lapso em que o mundo para e adquire novas cores, o coração se acelera. A alma recita a doçura de amar através das pupilas que se dilatam mansamente e dos lábios que se mordem de leve.

Assim, um dia, quando o tempo levar quase tudo, quando os anos pesarem nas costas e a memória buscar uma razão, lá escondido no silêncio, estará o amor não vivido.

E ele será como um livro proibido e dirá dos beijos que não foram dados, e das mãos que nunca puderam se tocar. Contará dos risos contidos e das verdades que só quem ama pode decifrar.

Lá, guardada nas gavetas das mais belas memórias, restará uma história nunca contada, uma história revivida mil vezes na memória só para provar que um dia o amor quase foi o que poderia ser.

Acompanhe esse e outros textos da autora em sua página no Facebook: Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.

Vanelli Doratioto

Vanelli Doratioto é especialista em Neurociências e Comportamento. Escritora paulista, amante de museus, livros e pinturas que se deixa encantar facilmente pelo que há de mais genuíno nas pessoas. Ela acredita que palavras são mágicas, que através delas pode trazer pessoas, conceitos e lugares para bem pertinho do coração.

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Tags: amor

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