Não espere nenhum futuro desta minha breve visita, deixe o tempo dizer suas verdades. Me arrumo toda para uma noite de gala e, no final das contas, ninguém me aguarda. Vou sozinha andando pela noite, vestido de festa, cara pintada e salto para me sentir maior. Vou ver quem? Ver o quê? Sento à beira da praia, cato as conchas que o mar rejeitou, limpo-as esfregando umas às outras, e vejo que não há nada dentro delas. Por fora é um mistério só, listras e ondulações, se parecem comigo, cheia de roupas, apetrechos e por dentro uma ausência impiedosa. Volto para casa, reparando em tudo, me dou à curiosidades, às vezes tropeço olhando janelas entreabertas, não me acostumo com os saltos. Os edifícios me amedrontam com suas alturas soberbas, carregam nomes de gentes importantes, mas são como os outros, de concreto. Viro à direita, dei falta do açúcar pro bolo, passo na padaria da esquina. O senhor de bigode, sempre gentil me dá o embrulho com um cuidado extremo. Chego e vou até o espelho, meu ponto de partida, e de encontro comigo às escondidas. Espio um sorriso secreto, algumas peças atiradas longe e, no final das contas, perambulo nua nos cômodos da casa, como que testando os limites do corpo. Reconstruo os fatos do dia num pensamento rápido, anotando depressa o que ficou pro amanhã. Sei que estarei à minha espera. Se não perder a hora pegarei o ônibus das sete, cheio de conchas dentro, algumas ainda possuem a pérola, se engrandecem com essa posse provisória. Um dia a pérola some como que por encanto, e aí é aceitar o dano e ir vivendo sem grandes luxos.

Tenho o costume de vagar por lugares perdidos, endereços aonde ninguém vai, nem cobrador. Procuro um grande enigma, uma coisa que sacuda os fundamentos de minha frágil estrutura. Gosto de desossar olhares, roer tecidos de pele, e esperar o momento certo do abalo do corpo, o estremecimento letal que anuncie o cumprimento do meu papel naquele desfecho. Depois volto com tudo, renascida, dentro de uma concha nova, com pérola brilhando e desejos em efervescência, e aí me perguntam: “Tá de pérola nova é?” Respondo “Não. É a mesma, só tirei pra lustrar”.

 

Ester Chaves

ESTER CHAVES é uma escritora brasiliense. Graduada em Letras pela Universidade Católica de Brasília e Pós-graduada em Literatura Brasileira pela mesma instituição. Atuante na vida cultural da cidade, participa de vários eventos poético-musicais. Já teve textos publicados em jornais e revistas. Em junho de 2016, teve o conto “Os Voos de Josué” selecionado na 1ª edição do Prêmio VIP de Literatura, da A.R Publisher Editora.

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Ester Chaves
Tags: pérolas

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