Resguardamos uma necessidade doentia de exigir explicação para tudo. Não deixamos nada pendente. Somos treinados para repelir dúvidas. Obcecados por receber e emitir respostas rápidas. Queremos soluções imediatas. Adoramos a certeza. A lacuna nos incomoda. O silêncio nos angustia. Se vemos um outdoor vazio na avenida principal, nos sentimos ameaçados pela possibilidade de viver numa cidade-fantasma. Sentimos pavor quando ficamos sem respostas. Quando não conseguimos ler. Quando o retrovisor embaça e perdemos a rota. Imediatamente, recorremos ao mapa da memória, aos antigos atalhos, às bússolas, aos guias turísticos etc. Tudo isso para defendermos a ilusão de segurança.
Abraçamos a ideia do resgate e nos impedimos de conhecer a ilha. Aceitamos qualquer atalho que nos coloque novamente no caminho. Adoramos a normalidade ou a falsa sensação de ordenamento? Detestamos quando o sinal pifa. Não queremos topar com imprevistos. Não gostamos de charadas. Sonhamos com a eviternidade do sinal verde. Perdemos o interesse pelo mistério. Deciframos mal. Escorregamos pelas bordas da vida com medo de descobrir o que existe dentro dela. Praticamos uma tormentosa corrida de obstáculos todos os dias.
Temos urgências e prazos. Marcamos encontro com a pontualidade, mesmo sem a necessidade do compromisso. Pulamos da cama e não abrimos as janelas. Ignoramos a luz natural e à noite acendemos velas. O caminho até o trabalho se resume em não esquecer as principais tarefas. Conscientemente, vamos riscando no bloquinho imaginário cada compromisso, cada atividade, cada etapa vencida, como se ao amanhecer elas não repetissem a mesma sofreguidão monótona, a mesma execução frenética. Vivemos assim; cumprindo religiosamente os “deveres”, mesmo que as olheiras nos cubram com impiedosas trevas e o cansaço roa lentamente nossas grandes alegrias disfarçadas nos pequenos afetos. De manhã, estaremos lá, assinando listas, marcando presença em escritórios com ares-condicionados barulhentos, pessoas frias e cafés ruins. Nos enganamos o tempo inteiro, acreditando que cumprimos nosso dever de pai, de mulher, de filho, de patrão, de esposo, de avó, de empregado, e no final das contas, abandonamos a grandiosa tarefa de descobrir o ser que nos habita. Dever cumprido… Cumprimos os deveres mesmo quando não nos proporcionam alegria alguma. Somos amantes da ordem. Qual? Há ordem? Onde? Obedecemos as ordens. Estamos às ordens. Modernos escravos cegos que portam iPhones, iPads e abafados ais. Tecnologias que mascaram nossa pobreza existencial. Tão conectados… tão ausentes.
Amamos o que o dinheiro pode comprar sem percebermos que boiamos no superficialismo dos rótulos. Queremos voltar para casa com algumas notas reais que garantam o café apressado do dia seguinte, o lanche que se transformará em almoço na esquina da rua. As coisas mais singelas se perdem nesse emaranhado de idas e vindas.
Aguardamos ansiosos, a retirada das irreais notas que não pagam nosso cansaço, nossos sonhos interrompidos, nossas fragmentadas horas, nossa vida roubada, que cai silenciosamente na armadilha-ampulheta do tempo mal vivido. “Não dá tempo!” Exclamamos, insatisfeitos. Nossa onipresença é de dar inveja a qualquer deus. Estamos aqui, ali e acolá. Só não estamos em nós.
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