Morro de medo de viajar de avião. Ao contrário dos brinquedos radicais dos parques de diversões (que amo!), a realidade de voar de verdade me apavora, e sou daquelas que tremem só de pensar numa turbulência grau 1 (se é que existem graus de turbulência).

Viajando no último fim de semana, o piloto avisou: “Iremos passar por uma área de turbulência. Mantenham-se sentados e não desatem os cintos”. Foi a deixa para eu fechar os olhos, apertar a mão do meu marido e começar a rezar compulsivamente, fazendo até promessa para quando o ‘vendaval’ passasse.

Mais à frente, minha tia e minha mãe conversavam. De vez em quando eu arriscava abrir um olho e observava. Não pararam de falar em momento algum, e após a aterrissagem, já em solo firme, comentei: “Vocês viram a turbulência? Que pânico!”, ao que elas me responderam: “que turbulência?” e eu, inconformada: “como assim, até o piloto avisou!” e elas rindo muito: “o papo estava tão bom que não vimos nada!”

Tudo bem que não foi aquela turbulência, mas parei para pensar que a realidade está na forma como nos relacionamos com ela, ou seja, depende do ponto de vista. Pra mim a realidade era assustadora. Para elas, a mesma realidade foi um momento de colocar o papo em dia.

Procurando por turbulências na internet, me deparei com a mesma situação ao ler sobre um relato de um piloto que dizia que passou por uma grande turbulência, em que quebraram-se pratos e copos na cozinha, mas que na realidade só alterou o altímetro em poucos metros. Porém, para os passageiros deste mesmo voo, a sensação deve ter sido muito pior, algo como dizer que o avião despencou mais de 3000 pés em questão de segundos.

Às vezes damos valor demais às pequenas coisas e não valorizamos o que merece ser reverenciado. Agigantamos nossas miudezas e diminuímos nossos reais tesouros sem nos dar conta de que nosso ponto de vista pode estar comprometido com deturpações da verdadeira realidade.

Tenho aprendido a olhar a vida sob óticas diferentes. Assim, a expressão “depende do ponto de vista” tem tomado conta de minhas divagações diante dos acontecimentos. Imaginar que podemos escolher decifrar a vida de uma forma mais leve nos coloca num lugar mais confortável, longe das desnecessárias preocupações com as turbulências diárias.

Escolher passar um voo inteiro colocando a conversa em dia ao invés de me assustar e ficar alerta ao primeiro chacoalhar do avião evita muito desgaste e sofrimento. Algumas coisas simplesmente fogem ao nosso controle, e não importa o quanto a gente se apavore, elas continuarão existindo independente da nossa vontade. Então o negócio é render-se a outro ponto de vista. Quem sabe a gente perceba que existem formas diferentes e menos dolorosas de enfrentar a realidade. Talvez a gente descubra que escolheu o pior jeito, e reconhecer isso pode ser o ponto de partida para a mudança.

Amanhã tenho outro voo pela frente. Estou escolhendo desde já não me assustar tanto, e lembrar daquelas duas mocinhas _ minha tia e minha mãe_ colocando a conversa em dia sem se dar conta do quanto o avião chacoalhava.

Que a gente aprenda a escolher o ponto de vista de quem é feliz, aumentando o que deve ficar e diminuindo o que deve partir. Que seja possível encontrar o ponto certo entre a realidade e nossos medos, sem agigantar nossas miudezas nem diminuir nossas riquezas. Que a gente descubra que pra cada acontecimento existem outras alternativas, e que a gente não sofra por imaginar que tudo na vida são turbulências. Que permaneça o que nos faz bem, e que aprendamos a reconhecer o que é essencial.

Fabíola Simões

Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

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  • Simples e perfeito... é exatamente o que estou vivendo nos dias de hoje e é exatamente com essas palavras que retomarei o meu ponto de vista original;

  • Oi Fabíola! Também sou dentista. Dentista sempre tem um pouco de artista, escritor dentro de si. Temos muitas histórias para contar. Estou amando seu blog. Beijos!

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