Participo de alguns grupos no whatsapp. Da minha turma de faculdade, da família, das mães das crianças do quarto ano. De vez em quando o celular funciona direitinho e consigo assistir a algum vídeo interessante. Dia desses dei sorte. Um dos vídeos, do Hospital Israelita Albert Einstein, trazia o título: “Os 5 maiores arrependimentos antes de morrer”. Nele, alguns depoimentos intercalados com a fala de uma médica geriatra especialista em cuidados paliativos, traduziam o sensação de dar o melhor desfecho possível à vida que se extingue. Um acerto de contas com a própria existência.

Num dado momento, a médica fala: “Essa é uma das coisas mais bonitas que acontecem no fim da vida. A gente perde a nossa capacidade de fingir”. E percebemos que ela tem razão, que em algum instante de nossas vidas _ e esperamos que não seja no fim_ descobrimos que não tem porque ocultar o que temos de bom por dentro. E esse “bom por dentro” pode ser a nossa capacidade de demonstrar afeto.

O tempo não volta. Por isso torna-se primordial não negar o que de bom existe dentro de nós. E agora me recordo de uma conversa com um grande amigo, colega de faculdade e padre, que contou que estava ajudando um jovem a se recuperar das drogas. O jovem estava preso, e por isso ele foi visitá-lo e levou dois iogurtes. O jovem se considerava uma pessoa má, incapaz de ter um traço de bondade dentro de si. Assim, disse ao padre que não adiantava insistir, ele não se tornaria uma pessoa do bem. Meu amigo não se deu por vencido. Disse que em algum lugar, bem dentro dele ou escondido em algum cantinho, ainda devia haver um traço de bondade. Ele teimou que não. Porém, quando meu amigo decidiu ir embora, percebeu que o jovem pegou um dos iogurtes e deu para seu colega de cela. Meu amigo enfim virou as costas e seguiu seu caminho pensando: “Ainda tem jeito. Olha aí o traço de bondade dentro dele”.

Precisamos acertar as contas com a própria existência. Não deixar para a última hora o que pode transbordar hoje. Romper a barreira de nossas regras e ultrapassar os limites de nossos cárceres. Deixar o que de bom carregamos dentro de nós vir à tona e saber conviver com a parte de nós que pode ser gentil e amorosa.
Nem sempre é fácil conviver com nossas gentilezas. Ocultamos nosso perfume e mostramos nossos espinhos. E me pergunto: Por que? Talvez porque seja mais fácil endurecer. Ao adquirir rigidez nos modos, nos blindamos também. Resguardamos nossas fragilidades e com ela vai nossa docilidade. E isso torna-se mais evidente com as pessoas que nos são mais caras.

O jovem que negava sua bondade soube dividir o iogurte com o colega de cela. Sem perceber, foi gentil. Que a gentileza nos pegue desprevenidos também. Que não seja tarde demais quando aprendermos a mostrar quem somos de fato, sem máscaras que disfarcem o quanto somos capazes de amar.

Que a gente encontre principalmente o amor próprio, descobrindo que temos que nos dedicar à pessoa que somos também, que ela precisa de cuidados tanto quanto às outras, e que se isso não for levado em consideração, haverá mágoas no fim da vida.

Que o excesso de zelo com nossas emoções não ocultem o que de melhor temos por dentro, e que não deixemos para a última hora a capacidade de deixar de fingir. De fingir que não somos bons, de fingir que não carregamos docilidades, de fingir que não somos melhores do que aparentamos ser…

*Imagem: Via Tumblr

Fabíola Simões

Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

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  • Sempre digo que um pouco de egoísmo é necessário, se não cuidarmso de nós mesmo nunca seremos capazes de ser melhores para nós muito menos para os outros!!
    Obrigada por nos brindar toda semana com um pouco de doçura e reflexão!
    Beijoca

  • Esses cinco arrependimentos é um resumo diante de tantos outros: não ter brincado mais com o filho antes de ele crescer, não ter dito "Eu te amo" mais vezes aos seus pais, aos seus irmãos, não ter abraçado mais, não ter acolhido mais... não ter gastado mais tempo com pequenas grandes coisas...
    Parabéns pelo texto, mais uma vez, Fabiola. Abraço.

  • E realmente maravilhoso real e verdadeiro o que sentimos ao ler seus textos me toca profundamente o que ha de melhor em mim que são meus sentimentos mais nobres que é minha Razão ? sensibilidade, obrigada por dividir essas perolas Gratidão, Carinho Por Você Fabiola Simõe?

  • São maravilhoso seus textos; São verdadeiras perolas de Sabedoria, Que despertam o que há de melhor Em min, meus sentimentos mais Profundos Razão e Sensibilidades e Gratidão e carinho por você Fabíola Simões ?

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