Há quase dez anos, quando fiquei grávida, arquitetei o roteiro todo. Pesquisando em livros ou na internet, descobri que o bebê precisava de rotina, e estabeleci toda a programação para que nossas vidas seguissem o rumo certo.
Eu não imaginava que teria surpresas, não só por ter um bebê em casa, mas porque a vida surpreende mesmo.
Meu filho, como era de se esperar, não seguiu o script. Ao contrário, teve refluxo e passava dias e noites acordado, procurando algum tipo de conforto. Descobri que meu leite e eu éramos o conforto dele, e então desenvolvemos uma espécie de simbiose durante a qual, por algum tempo, perdi a noção de quem eu era de fato.
Assim, de forma definitiva, aprendi que não é possível estabelecer um roteiro para nossas vidas, e que a busca por um lugar seguro é apenas uma necessidade que temos de achar que controlamos alguma coisa.
Na época do vestibular, eu estudava muito e gostava de ler e escrever. Tinha o desejo genuíno de ser jornalista, publicitária ou escritora, mas segui o que julgava ser mais seguro (incrível como acumulamos toneladas de preocupações desnecessárias, e deixamos de ser corajosos o bastante para simplesmente arriscar). Entrei para a faculdade de odontologia (quer algo mais previsível que ser dentista?), me formei aos vinte e um, prestei concurso para a prefeitura e cá estou, quase vinte anos depois, de jaleco branco e touca na cabeça, cuidando da saúde bucal da população.
Mas, como disse, a vida não é previsível, e muito menos programável. Como um bebê que chora e nos obriga a sair de nossa cama de madrugada, não existem zonas de conforto definitivas neste universo de muitas vertentes que é a vida.
A cadeira odontológica ficou pequena para mim. Como se minha real vocação viesse me dizer que aceita minha escolha profissional, mas não me deixará em paz até que eu abra o laptop e comece a escrever.
A vida programada não existe porque simplesmente a existência nos cobra. E cobra alto, dependendo de nossas escolhas. Sempre haverá um motivo _ pequeno ou grandioso_ nos tirando de nossa almejada calmaria. Sempre haverá uma voz rebelde nos acusando pelas escolhas seguras _ e nem sempre autênticas_ que fizemos.
Buscar uma vida segura tem seu preço. Talvez o saldo seja viver com menos espontaneidade e mais controle, mais rigidez e menos riso, mais solidez e menos risco.
Pode ser que a busca pelos sonhos seja a chave para a condução de nossas vidas com mais fidelidade ao que sentimos.
Pois no fim das contas, não há roteiro ou enredo algum; muito menos garantia de satisfação seguindo por este ou aquele caminho. O que se tem é a intuição, aguda ou não, de que ao final encontraremos o que buscamos _ nossos anseios e sonhos. E para isso não há preparação alguma, somente a capacidade de perceber e arriscar, deixando a maré nos levar também, pois como um bebê que chora, não há como prever os rumos desta que é a maior de todas as aventuras.
Sendo assim,
Não faça planos, sonhe alto.
Não programe nada, arrisque.
Não arquitete um roteiro, deixe a vida tomar conta.
Não almeje segurança, tenha coragem de viver…
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Como você, me formei em odontologia, mas eu não exerço a profissão. Admiro sua intimidade com as palavras e adoro seus textos. Sou sua fã. Parabéns!!! Um abraço
Obrigada pelas palavras que compartilhas e que, de alguma forma nos tocam, identificando em nossa humanidade, um partilhar de lgumas emoções comuns ao ser humano.
Ah, Fabíola, obrigada por suas palavras sempre tão generosas! Amo tudo o que vc escreve.
Fabíola, a beleza dos seus textos está no fato de ser um coração humano falando para outros tantos corações (quase um milhão!-parabéns!!!) que se identificam com a veracidade e organicidade das suas palavras. Elas soam reafirmativas. É você sendo você linear e em ascensão. A minha impressão é essa e agradeço pela bondade que você tem em se livrar de tantas amarras e possíveis máscaras, as quais somos convidados a usar por convenções, simplesmente se mostrando genuinamente, crescendo e amando, enquanto ser humano. Eu realmente agradeço a leitura desse texto hoje, pois não estou feliz com minha vida e não sei (ou não quero trazer à consciência) que rumo devo seguir. É aquela questão, a de não se dever confundir estabilidade com estagnação, ou segurança, com resistência à mudança. Estou tentando sonhar alto. Estou tentando arriscar. Estou tentando confiar nos rumos do Universo, mesmo em agonia. Estou reunindo coragem para viver da verdade, a vida que eu acredito. Muito obrigado pelas palavras, são mágicas. Espero um dia ler um livro seu!!! Grande abraço, Edson (nursedson@yahoo.com)
Hoje estava conversando com a minha Mãe sobre isso! Ela, em sua vasta experiência, me contando o quanto o excesso de programação nos leva a grandes frustrações. Em seguida, li o seu texto e então, li para ela. Ficamos encantadas o quanto foi relacionado com a nossa conversa, e, amamos! Parabéns. Seu dom de escrita é encantador, e sua sensibilidade perante os acontecimentos da vida peculiar.
Boa noite Fabíola, seus textos são sempre tão nossos também, parece até que nos ouve.
Hoje, aqui em seu texto, me vi e me acho, depois de estar tão perdida, obrigada.
Abraços carinhosos
Maria Teresa
Olá Ana! Que bom saber que somos colegas de cadeira odontológica! Obrigada pela visita e pelo carinho, bem vinda sempre! Abraço!
Que bom que gostou e se identificou! Obrigada pela visita e pelas palavras! Bjs!!!
Obrigada por você vir sempre aqui, e por comentar com tanta generosidade! Abraço carinhoso!
Olá Edson! Mais uma vez, obrigada pela visita e pela generosidade com que comenta meus textos. Só posso imaginar que você é mesmo uma pessoa muito especial, e que nos identificamos em inúmeros aspectos. Espero que sua busca se concretize da melhor maneira possível _ primeiro, dentro de você, depois fora _ e que você encontre seu caminho. Ainda estou à procura do meu lugar tb, mas escrever é uma das formas que encontrei de sonhar, e sonhar alto (como vc disse). Obrigada por tudo, de coração. E fico lhe devendo uma reflexão sobre o Pequeno Príncipe ainda! Bjo carinhoso!!!