Outro dia, relendo “O Pequeno Príncipe” para meu menino, estacionei numa passagem.

Assim dizia: “As pessoas grandes adoram os números. Quando a gente lhes fala de um novo amigo, elas jamais se informam do essencial. Não perguntam nunca: ‘Qual é o som da sua voz? Quais os brinquedos que preferem? Será que ele coleciona borboletas?’ Mas perguntam: ‘Qual a sua idade? Quantos irmãos ele tem? Quanto pesa? Quanto ganha seu pai?’ Somente então é que elas julgam conhecê-lo. Se dissermos às pessoas grandes: ‘Vi uma bela casa de tijolos cor-de-rosa, gerânios na janela, pombas no telhado…’ elas não conseguem, de modo nenhum, fazer uma ideia da casa. É preciso dizer-lhes: ‘Vi uma casa de seiscentos contos’. Então elas exclamam: ‘Que beleza!'”


 Dá uma certa pena concordar com Antoine De Saint-Exupéry, mas é verdade. Principalmente nesse tempo em que valorizamos tanto a conectividade, popularidade digital, redes sociais…

O fato é que do final do ano passado para cá me entristeci com o desempenho da página do blog no facebook. Não sei dizer que fatores levaram a página a crescer em 2014, do mesmo modo que não saberia dizer o que tem promovido seu retrocesso gradual.
O ‘Pequeno Príncipe’ diria: ‘são apenas números’, e eu concordaria, apesar de desejar enxergar muito além das estatísticas e gráficos tão alarmantes _ que não podem e jamais poderiam condicionar meu desempenho e muito menos meu humor.

A citação acima tem me feito refletir. Alcançar popularidade nunca foi um objetivo, e sim uma consequência totalmente inesperada. Sou muito grata a todos que permanecem conectados à página do facebook, principalmente àqueles que visitam o blog e me dão um feedback positivo (obrigada gente!), mas talvez seja hora de rever e retomar meus valores.

O blog nasceu de um período tumultuado em minha vida, e me salvou de diversas maneiras. Quando comecei, nem de longe tinha a intenção de torná-lo acessível. Escrevia para desabafar, para colocar algumas peças soltas no lugar, para refletir, para expressar tudo o que não cabia em mim. Para minha surpresa, muita gente se identificou. De uma forma inesperada, descobri que não estava sozinha. Que minhas duvidas, tentativas, acertos e desacertos eram sentidos por outras pessoas também. Que aquela era só uma forma de contar uma história, mas ainda assim, havia pessoas dispostas a ler e compartilhar meus caminhos como parte de suas trajetórias também.

Porém, o blog foi mudando com a chegada dos números. Um contador foi colocado do lado direito da página. Um gráfico me informava novos likes no facebook. Um botãozinho me dizia que as publicações estavam ganhando espaço no universo digital. Sem querer, permiti ser corrompida pelos números. Deixei de pensar no blog como uma criação afetiva para torná-lo um espaço numérico.

Me entristece perceber que adoramos números. Que medimos o quanto somos aceitos por estatísticas. Que autorizamos sermos rotulados como ‘bons ou ruins’ através da quantidade de curtidas que damos e recebemos a cada postagem. Que deixamos a poesia escorrer em vista dos lucros. Que podíamos voltar atrás e simplesmente entender de amigos e beleza através do gosto por borboletas e gerânios na janela do que pelo contador do facebook.

É hora de fazer o caminho de volta. Quero sim que meus textos ganhem vida na casa e no coração das pessoas; que ajudem alguém a enfrentar seus dilemas com mais tolerância e entendimento; que encontrem eco nas dúvidas diárias, na alegria, no enfrentamento, no perdão, na aceitação. Mas que seja simples, humilde, com gosto de pão com geleia e café fresquinho na mesa da cozinha. Sem floreios, sem botãozinho azul com sinal de positivo, sem negociações com a sorte e o falso valor.

Através de seus simbolismos, ‘O Pequeno Príncipe’ nos leva a refletir sobre a maneira que nos tornamos adultos, sobre como nos equivocamos com aquilo que tem ou não tem importância, sobre nossos julgamentos e vaidades.
Talvez seja hora de rever meus valores, retomar aquilo que me apaziguava e trazia conforto, ao que existe muito além da aprovação alheia e estatísticas virtuais.

Com o tempo, chegam as mudanças. Como eu disse, o blog nasceu de um período de dúvidas e incertezas, que hoje estão mais lapidadas e assimiladas. Com isso, novos temas são abordados. É natural que algumas pessoas deixem de se identificar. Certamente virão outras, e assim sucessivamente.

Porém, quero sempre lembrar desse lugar como um refúgio. Um cantinho que nasceu para ser simples, que remete às minhas origens mineiras, aos afetos que construí ao longo do caminho, ao tempo que passa e nos transforma, à sensibilidade que é possível extrair de cada dia, ao sentido que procuramos nas pequenas coisas, ao cheiro de chá e canela, ao som de uma canção que nos mobiliza, às histórias que compõem tudo de que é feita a vida…

Bem vindos!

Imagem: Via pinterest, de Liny Miller

 

Fabíola Simões

Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

View Comments

  • Fabíola, suas palavras não só tocam o coração, mas a alma também. Por favor, continue escrevendo e transmitindo sentimentos e sensações que muitos de nós não conseguimos exteriorizar! Você têm um dom, e que Deus continue te abençoando. Regiane

  • Querida Fabíola ,
    Já faz um tempinho que caminho permitindo que suas reflexões me afetem e se componham com a minha história.
    Já comentei algumas vezes seus textos tão sensíveis e verdadeiros ... Aliás, sua autenticidade (que pode ser mais valorizada pela capacidade de assumir fraquezas e limitações) algo um tanto raro hoje em dia...foi, e é ! , uma das coisas mais belas que encontrei neste endereço...
    Sim ... gosto de pensar que, como uma escritora ,você se dedica a escrever por necessidade e nos permite acessar seu conteúdo naquele momento...traduzidas em algumas palavras...
    Mas , como você mesma citou, as vezes nos perdemos , um pouco mais obcecados pelo glamour e aceitação, quando isso acontece me lembro das pessoas que se dedicaram à coisas maravilhosas, durante toda a vida, e no anonimato ! Meu Deus quanta beleza há em refletir sobre isso e quanta força nos traz...
    Sinto isso também à seu respeito pois foi essa força que te motivou inicialmente e que continuará te motivando até quando Deus permitir...(sinceramente eu espero que por um bom tempo ! )
    Beijos carinhosos de alguém que te admira e se sente feliz pela sua existência !
    Priscila Spalding Esteves

  • Olá Fabíola,
    Você consegue traduzir com perfeição o que também sinto, e não sei expressar..daí me encolho e fico só observando. Continuo me identificando e muito com o que você escreve, acho pura arte!
    Felicidades, sempre! Hilda

  • Olá Priscila! Tudo o que escreveu, a parte de si mesma que deixou por aqui, também veio se somar ao que acredito... obrigada pelo carinho e por acompanhar o blog com tanta reflexão e carinho. Lembrar dos anônimos que se dedicam a coisas maravilhosas nos traz força e motivação! Obrigada por tanto carinho!!!! Que Deus continue nos motivando! Bjos carinhosos!

  • Olá Hilda! Obrigada por estar sempre por aqui, pelo carinho e incentivo! Felicidades! Grande beijo!!!

  • Que doçura isso tudo,
    Fabíola por instantes parece até que fui eu a escrever, por tamanha identificação...
    Parabéns, sou já sua fã e não pare nunca.
    Beijinhos doce na palma das mãos.
    Jú Ramos

  • A vida é mesmo mágica. Nos vira, nos revira, nos surpreende. Porque é viva, é dinâmica. E é esse movimento que nos possibilita experimentar novas sensações, necessidades e experiências. E Deus é bom.Nos permite exercitar essa sutil e doce troca de afetos. Ele nos muniu com a capacidade ilimitada da comunicação;seja no olhar, no abraço, no carinho, na palavra. Continue sentindo e escrevendo. Por mais diferente que sejam nossas vidas, somos todos uma só alma.

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