Estou lendo “O irmão alemão”, livro de Chico Buarque que mistura realidade e ficção numa obra em que relata a busca pelo paradeiro de Sergio Ernst, o irmão que só viria saber da existência aos vinte e dois anos, numa conversa trivial com Manuel Bandeira, em 1967.Chico nunca chegou a conhecer tal irmão, que passou a vida toda fora do país e chegou a estar sob poder dos nazistas. Porém, isso não diminuiu a inquietação e o desejo de reencontrar aquele que, através da ausência, existiu permanentemente presente dentro dele e de seu pai.
Em uma das passagens do livro, o autor revela: “Pois ainda que meu pai aprenda todas as línguas e devore todas as bibliotecas do mundo, talvez seja incapaz de concluir a grande obra da sua vida enquanto não suprir essa pequena ignorância dentro dele…”
E entendemos que algumas falhas, ignorâncias e ausências ecoam mais alto que aquilo que é resolvido e escancarado.
Alguns acontecimentos podem sobreviver feito bolas de papel amassadas, guardadas num canto de nós mesmos. Resistem ao tempo, às profundidades, às perdas e recomeços. Continuam ali, esperando serem abertos e desamassados feito folha de jornal que guarda a manchete bem no centro.
Quando Sergio Buarque de Holanda, pai de Chico, desejou manter esse segredo, certamente anulou uma parte de si mesmo, transformando a existência desse filho _ concebido antes de seu casamento_ em uma grande bola de papel amassada.
Chico dedica seu livro “Para Sergios”. E eu dedico esse texto àqueles que já se sentiram um pouco como Sérgio-pai. Para aqueles que não souberam o que fazer com o amor que poderiam ter dado e recebido, com as lembranças que poderiam ter sido construídas, com a vida que poderiam ter vivido e anularam dentro de si.
De quantos papéis amassados foram feitas as ausências e despedidas, as reservas e os avessos da vida que não se viveu?
Quando você disse que não tinha nada mais a declarar, fiquei confusa ao perceber que seu semblante revelava aquela conhecida contradição interior. E constatei que estava novamente voltando para aquele lugar, para a biblioteca que construiu feito muros a lhe blindar.
Uma parte de mim se entristeceu ao perceber que já não podia mais lhe ajudar. Eu bem que quis. Tentei pegar aquela bola de papel que você tanto comprime dentro do peito e desamassar devagarinho, com cuidado para não lhe machucar demais. Mas você não deixou.
Você cuida de suas feridas da mesma forma que zela por seu bem estar. Vela por elas dia e noite para que nunca ventilem. Descobriu que pode criar espaços para a dor também, e é nesse espaço que nunca deixa ninguém chegar.
Mas ninguém pode atravessar os caminhos que são seus no seu lugar. Algumas rotas são só nossas, e as chaves que abrem nossos recintos, também. Cabe a cada um dar sentido às suas bolas de papel amassado.
Lidar com aquilo que recusamos por tanto tempo pode ser assustador. Requer a coragem de conhecer-se profundamente, e isso pode ser doloroso também. Porém, ao final conseguiremos não somente ter tomado consciência de quem somos realmente, mas ter sim nossas folhas de papel finalmente passadas a limpo…
Obs: No rodapé do blog há uma observação sobre as imagens que uso para ilustrar os textos. Não sei a autoria da maioria delas, apenas busco no google, tumblr ou pinterest. Essa eu achei no google. Se você for dono de alguma dessas imagens, por favor entre em contato comigo que faço referência ao seu trabalho. Obrigada!
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gosto do seu blog e de sua página:
A soma de todos os afetos, parabéns!
Obrigada Leusa! Bem vinda, bjs!
Perfeito!
É ter a alma amarrotada...